sexta-feira, 14 de maio de 2010

Deus resolve ...

Há muitas maneiras de descrever a fé em Deus. Assim também há muitas maneiras de descrever Deus. Muita vez Deus fica do tamanho da fé individual. Muita vez Deus é descrito com "D" mas não passa de um deus com "d". Difícil, complicado é saber distinguir uma descrição de outra, distinguir entre Deus e deus ...

Na Bíblia, em muitos trechos, essa distinção é feita através do uso do termo ídolo. Ídolos são deuses com "d" minúsculo. Em um momento de grande inspiração, um profeta judeu desconhecido descreveu os ídolos como produtos humanos, fabricados por mãos humanas (Isaías 44:9-20). Se esse profeta tivesse vivido no século XX, teria sido acusado de materialista, marxista, comunista ... Seja ela (por que não uma profetisa?) materialista ou não, ofereceu um importante critério para sabermos quem é deus com "d" minúsculo. Deus vira (d)eus quando ele é criado à imagem e semelhança da pessoa crente. Quando Deus fica do meu tamanho, ele foi transformado em (d)eus.

Lembro-me de alguns deuses com "d" minúsculo e vou mencionar um desses: o deus que resolve todos os problemas da gente. Ídolo? "Não!" muita gente dirá. Esse é o Deus de Verdade (tudo com inicial maiúscula!). O que faz de Deus Deus é o Seu poder. "Deus não manda recado, Ele faz!". Quando o ser humano não tem mais poder, não consegue mais resolver, então é hora de acreditar em Deus, pois Deus resolve.

O deus que resolve parece ser um (D)eus mesmo. Ele tem poder sobre-humano, capacidade transcendental, inteligência sobrenatural. "Tem de ser Deus!" Afinal de contas, não é assim que tradições cristãs têm descrito Deus há muito tempo: Onipotente, Onipresente, Onisciente, Eterno, Imortal? Parece, então, que Deus é exatamente o contrário da gente - ele é mais parecido com os ricos e poderosos do que com as pessoas comuns. Esse deus tem a cara dos nossos sonhos mais ocultos de grandeza (afinal de contas, sonhar "grande" não é muito correto. Pelo menos quem já ficou rico e quem manda pensa assim...). Não é à toa que quando a gente tenta achar um exemplo para falar de (D)eus a gente pensa em reis, em pessoas poderosas, em gente melhor do que a gente - em uma palavra: ídolos.

Bem. Eu penso o contrário. Esse (D)eus não passa de um (d)eus, um ídolo, uma projeção de nossas frustrações e delírios (diriam Feuerbach e Cia. Ltda.). Por quê? Porque quando a Bíblia resolve dar um exemplo visível de como é Deus, esse exemplo é Jesus. Filho de trabalhadores, cuja mãe não tem lá uma reputação das melhores, nazareno (para os Judeus fiéis os nazarenos eram religiosamente inferiores), amigo de pecadores e pecadoras, festeiro (o primeiro milagre de Jesus, no Evangelho de João, foi transformar água em vinho - veja bem: água em vinho, não "vinho em água!"), o Rei dos Reis que morreu em uma cruz a morte dos criminosos políticos, dos subversivos - dos "materialistas"...

Deus resolve? Um colega de Jesus na cruz matou a charada: "Não és tu o Cristo? salva-te a ti mesmo e a nós também" (Lucas 23:39). Ele acreditava em (d)eus. Mas Jesus não. Jesus acreditava em (D)eus. Por isso, não se salvou. O Filho morreu. Deus não "resolveu".

Um comentário:

  1. Bonhoeffer referiu-se a essa religiosidade pragmática, utilitarista e imediatista do "(D)eus que resolve" como pietista. No pietismo, ele diz, exige-se um Deus “tapa-buracos”, à semelhança do deus ex machina, mobilizado pelas pessoas como a solução aparente de questões insolúveis, quando o conhecimento humano chega ao limite ou quando as forças da pessoa se esgotam. A fim de se resgatar o que realmente importa – a fé –, é necessário rejeitar a religiosidade pietista, segundo ele. Deve-se, então, afastar Deus como “hipótese de trabalho”, pressuposto, motivação e guia das atividades do homem, deixando-o de lado, e viver no mundo como se Deus não existisse, visto que esse Deus se deixa desalojar do mundo, tornando-se impotente e fraco. É viver da fraqueza e do abandono de Deus (lembra do clamor de Jesus na cruz: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste"?).
    Parece que foi justamente esse tipo de fé pietista que Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud combateram. E com toda razão, penso.

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