sexta-feira, 10 de junho de 2011

Repressão Estatal - De volta!

A jovem democracia brasileira estava dando inúmeros sinais de amadurecimento nos últimos anos. Eleições em ordem, impeachment de eleitos, punição a corruptos (embora não a todos ...), diálogo do Estado com a sociedade, etc.

Entretanto, nos meses de maio e junho, atos de violenta repressão policial ocorreram contra movimentos populares, tais como a Marcha da Maconha, a ocupação de quartel do Corpo de Bombeiros no RJ, ocupação de prédios residenciais desocupados no ES,etc. Manutenção policial da ordem é um dever do Estado, sim, mas não pode se confundir com repressão violenta. Não se pode tratar manifestações democráticas - ainda que se possa questionar a eficácia e/ou a legalidade de alguns dos atos nessas manifestações - como se trata a criminosos (nem a criminosos se deveria tratar com violência, mas em um mundo real, esta acaba sendo um mal necessário). Quando o Estado reprime manifestações populares democráticas está dando um imenso passo atrás na consolidação e amadurecimento da democracia.

Democracia é um regime de governo que não nega a conflitividade social - reconhece-a e trata-a de acordo com a Lei e os princípios universais da dignidade humana. O monopólio estatal do uso legítimo da força não pode legitimar a prática da violência injustificada pelo Estado. Nossos governantes eleitos precisam aprender (ou reaprender) a lidar com a oposição popular, pois esta é uma das manifestações mais legítimas da democracia.

Democracia, mais do que forma de governo, é uma cultura de relações de poder. Uma cultura na qual governantes e governados não se relacionam com base na dominação, mas com base na justiça e na legalidade, subordinadas à liberdade e dignidade humanas.

Que não venham os crentes usar Romanos 13 para justificar a repressão violenta!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ainda a "Belíndia"

Em outras épocas se falava do Brasil como uma terra de extremos contrastes - com o bem-estar de uma Bélgica e a miséria de partes da Índia. Hoje em dia o termo "Belíndia" não faz muito sentido, até porque a Índia tem passado por importantes transformações sociais e econômicas. Todavia, o Brasil continua uma terra de contrastes imensos.

Hoje, no Bom Dia Brasil, os apresentadores da Globo conversavam sobre a "nova classe média" brasileira (também denominada, no programa, de a nova classe "c"), que está adotando os padrões de consumo da 'elite". Diziam os globais que a nova classe média compra produtos de luxo com preço alto mas em prestações bem suaves, "bem" suaves "mesmo". Produtos de luxo, é claro, adaptados aos bolsos e gostos dessa tal de nova classe média, já que os produtos de "elite" permanecem inacessíveis aos mais comuns dentre os mortais.

Deixemos de lado as imprecisões sócio-econômicas dos termos nova classe média e nova classe "c". A questão é: a partir do consumo um novo modo de contraste entre "ricos" e "pobres" se constitui em nosso país - as pessoas que gastam o que não têm para sentir o "gostinho" de ser rico e mostrar a aparência do sucesso - em contraste com a quase metade da população brasileira que continua vivendo na faixa da pobreza, só não morrendo de fome graças às políticas assistenciais do governo. Parte dessa população pobre, que conseguiu um pouquinho de ascensão sócio-econômica, ambém adota padrões de consumo das classes mais abastadas - tais como festinha de quinze anos, etc...

Eis aí a nova utopia do povo brasileiro: consumir "coisa de rico", mesmo sendo "pobre" ou "remediado". O pouco (ou muito) de ascensão sócio-econômica que se consegue não tem mais a ver com a busca de justiça social, mas com a busca de consumo, da identidade dos "bem de vida", em uma rendição incondicional aos padrões "mundanos" de vida social.

Uma teologia frágil precisa ajudar a desmontar essa utopia forte do consumismo, em busca de uma nova e frágil utopia da justiça social - sem recair nas ideologias e ideologismos do passado recente, mas, acima de tudo, sem se render à mesmice burra e desumana do consumismo: a face "benigna" do capitalismo que continua mais selvagem do que nunca.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Teologia Frágil & Pública

Com a chegada do Alessandro e do Ronaldo, nosso blog irá se concentrar cada vez mais na discussão teológica a partir da perspectiva da teologia frágil & pública.

Frágil, porque uma teologia baseada na encarnação do Filho de Deus, um ato descrito por Paulo como de auto-esvaziamento, que mostrou como a fraqueza de Deus é mais poderosa do que os poderes terrestres.

Pública, porque uma teologia que não reflete sobre os temas privados da fé cristã, mas se arrisca a refletir e discutir sobre os temas públicos da vida em sociedade. Uma teologia que ouve e fala a diversos públicos: igreja, academia, sociedade, cultura ...

Frágil, porque uma teologia situada e sitiada. Situada em localidades específicas – Vitória, Rio de Janeiro, Anápolis – espaços representativos da pluralidade brasileira. Sitiada por teologias e outros pensamentos fortes, poderosos, ortodoxos.

Pública, porque uma teologia aberta ao debate permanente, em defesa crítica da democracia que concretize os direitos das pessoas, dos animais e de toda a criação divina.

Frágil & Pública, porque dialogal, de modo que não se deve esperar unanimidade em nossas reflexões e acordos em nossas discussões. Valorizamos a diferença e a alteridade, não como fins em si mesmas, mas como condições para a individualidade não egoísta e a identidade não uniforme.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Novos Parceiros

Para melhorar o blog e ampliar a discussão, a partir de hoje temos como novo parceiro o colega e amigo Alessandro Rocha, teólogo, autor de vários livros, companheiro de uma teologia inovadora. Em breve, se juntará a nós também o Ronaldo Cavalcante, teólogo e autor. Estamos organizando o novo jeito de trabalharmos em equipe e logo postaremos novas mensagens.

Abs

sábado, 7 de maio de 2011

Uma vitória, também, do Cristianismo Autêntico

"Cristianismo Autêntico" - uso o termo de forma retórica, pois nada do que fazemos pode ser definitivamente autêntico. "Autêntico", em comparação com o que está aí, predominando, crescendo e assustando ...

Que vitória foi essa? Vitória de goleada, 10 a 0, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, contra a discriminação. Foi “também” vitória do Cristianismo, pois podemos pegar carona na vitória da democracia e do movimento de defesa dos direitos das pessoas homoafetivas. Em cinco de maio de 2011, foi reconhecida a união estável de casais não heterossexualmente constituídos. Os direitos de cidadania foram restituídos a cidadãs e cidadãos brasileiros impedidos de exercê-los em função de sua opção sexual e identidade de gênero. No julgamento, a CNBB se fez representar (de modo legal, diga-se de passagem), e defendeu a posição contrária ao reconhecimento da união estável, fundada, basicamente, na preocupação de que tal aprovação seria a base do colapso da família. Se outras denominações cristãs tivessem feito o mesmo pedido de participação no julgamento, tenho certeza de que a maioria (talvez a totalidade??) se posicionaria juntamente com a Igreja Católica Apostólica Romana.

Se é assim, como afirmar que o resultado do julgamento foi uma vitória do cristianismo autêntico? Por que:

1. O Cristianismo Autêntico não é Cristandade, ou seja, está devidamente separado de modo institucional do Estado. É claro que separação institucional não significa ausência de relação. Que a CNBB tenha se representado no julgamento é algo positivo, pois reconhecimento (ou resignação) da separação institucional. Que o Supremo não tenha aceitado as ponderações da CNBB é algo ainda mais positivo, pois tais ponderações representam um retorno ao modelo de Cristandade. Na Cristandade, é a Igreja quem dita as normas morais para toda a sociedade, e o Estado as garante mediante a força da Lei e da Polícia. Não podemos voltar a esse tempo. Se lutamos contra a "Cristandade" Islâmica, não podemos ser hipócritas e defender uma "Cristandade" Cristã. União estável é uma realidade civil, pública, e, se daí resultar a legalização do casamento de não-heterossexuais, continuará sendo uma questão de direitos civis. Casamento religioso é um ato privado - nenhuma igreja ou religião poderá ser obrigada legalmente a casar pessoas que não atendam às exigências PRIVADAS de seus estatutos legais e morais.

2. O Cristianismo Autêntico é tolerante e respeita a pluralidade moral. Nos escritos do Novo Testamento não há imposição de uma moralidade cristã a toda a sociedade. A moralidade cristã é uma questão de seguimento de Jesus Cristo e seguir a Jesus Cristo não vem do berço, nem do Estado. É uma opção de vida, ato de fé, ato de amor. Não é obrigatório, nem mandatório. "Pela graça sois salvos". Em Romanos 2 e em Mateus 25.31-40 encontramos textos que mostram: (a) que seguidores de Deus e de Jesus não têm o direito de julgar o próximo; (b) que as pessoas que buscam viver uma vida justa ("aos que, com perseverança em favor o bem, procuram glória, e honra e incorrupção"; "glória, porém, e honra e paz a todo aquele que pratica o bem, primeiramente ao judeu, e também ao grego; pois para com Deus não há acepção de pessoas." Rm 2), mesmo não estando oficialmente na comunidade de seguidores de Deus e de Jesus, recebem a vida eterna; (c) que o critério do juízo final não é doutrinário, mas prático: amor e serviço a Jesus através do amor e serviço ao necessitado (Mt 25,31ss). Apesar da dignidade tradicional do dito na história das igrejas, precisamos insistir: Fora da Igreja Há, Sim, Salvação".

3. O Cristianismo Autêntico apoia a democracia e os estados democráticos na medida em que aquela e estes defendem a justiça e possibilitam a igualdade de direitos e de situação concreta de vida. Cristãs e cristãos não apoiam cegamente a democracia ou estados democráticos. O apoio é condicionado, conforme, por exemplo, Romanos 13,1ss - quando a autoridade política faz o bem e defende quem pratica o bem, merece nosso apoio. Quando não, merece nossa denúncia - como os profetas de Israel denunciavam as autoridades de seu tempo. Garantir a igualdade de direitos a todos os cidadãos e cidadãs é um ato democrático no sentido mais digno do termo. Não podemos defender a igualdade de direitos para pobres, negros, mulheres, indígenas, idosos, crianças, portadores de deficiências, etc. e, ao mesmo tempo, negar a igualdade de direitos a pessoas que, por opção sexual ou identidade de gênero, se diferenciam das identidades éticas religiosas da maioria da população. O conceito cristão de pecado não pode ser usado como base para atos discriminatórios.

4. Vitória do Cristianismo Autêntico porque a decisão do STF obrigará instituições, comunidades e indivíduos cristãos a refletir sobre seu lugar e papel na democracia. Obrigará o Estado e a sociedade brasileira a refletir sobre a relação entre pluralidade moral e maioria cristã da população. Obrigará estado, sociedade e igrejas a revisar a questão da laicidade do estado e da separação institucional Religião-Estado. Neste terreno, há muito que fazer ainda no Brasil - há várias práticas não-democráticas ainda em vigor, que necessitam ser revogadas e renormatizadas.

5. Vitória do Cristianismo Autêntico porque a decisão obrigará as igrejas cristãs a estudar e a reaprender a anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo. O anúncio de Cristo é boa-nova para todas as pessoas, porque todos nós somos pecadores, e nenhum pecador é mais pecador do que outro; nenhuma pecadora é merecedora de mais castigo do que outra pecadora - por isso, se somos todos iguais perante Deus, nenhum(a) de nós cristã(o)s pode ser merecedor de direitos de cidadania que sejam negados a não-cristãos ou a cristãos de minorias religiosas. "Só Jesus Cristo salva" tem o mesmo valor e impacto para todas as pessoas, independentemente de raça, cor, credo, opção sexual, identidade de gênero, classe social, persuasão política, etc. O convite ao seguimento autêntico de Jesus Cristo interpela todas as pessoas igualmente, com a mesma exigência de radical entrega de si a Deus e a seu projeto de vida amorosa e justa. Precisamos matar a mesmice hipócrita e banal a que foi reduzido o cristianismo, precisamos reinventar o discipulado, radicalmente, desde as raízes até os frutos. Precisamos aprender que seguir a Jesus não se esgota, nem se confina em fazer parte da membresia de igrejas. Seguir a Jesus se manifesta em vidas que tornam concretos e práticos os valores do Messias que deu a vida por toda a humanidade ...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Obrigado!

De vez em quando dou uma olhada no número de co-blogueirantes - e ele está crescendo. Aos novos e novas companheiros e companheiras de blogagem, meu muito obrigado e boas-vindas. Aos antigos e antigas que não desistiram, muito obrigado. Gente, o blog é nosso ... podem comentar, palpitar, reclamar ...

Abs

Igreja: Meio, não Fim

Estou de volta ao blog. Já expliquei as razões da ausência prolongada, e acrescento mais duas: passei a semana em São Paulo - no Congresso da ANPTCRE (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências das Religiões) e no lançamento de dois livros: A Bíblia sob Três Olhares (escrito a seis mãos, com João Leonel e Paulo Nogueira) e Para uma Teologia Pública (escrito a duas mãos), ambos pela Fonte Editorial de São Paulo.

Dentre as atividades do Congresso (onde apresentei um pequeno texto sobre Hermenêutica em Tom Pós-Metafísico), contatos institucionais e lançamento, aproveitei para conversar com colegas, ex-alunos, que estão no ministério pastoral e educacional em São Paulo. Em meio às conversas, apesar do esforço em manter os assuntos no ambiente mais coloquial possível, não conseguimos evitar tocar em temas teológicos e pastorais. Duas questões que discutimos me motivaram a escrever estas mal-traçadas linhas (essa é lá dos tempos do baú ...)

Vivemos em um período pós-denominacional, ou seja, pós-institucionalidade denominacional das igrejas cristãs. Há tempos as instituições denominacionais se tornaram fins em si mesmas, desligadas irremediavelmente da vida das comunidades cristãs, dos anseios e necessidades das comunidades e das pessoas concretas que delas participam, as sustentam e são sua razão de ser. As instituições eclesiásticas cristãs são monstrengos que, apesar da roupagem moderna do Protestantismo, mantêm os mesmos defeitos e limitações das anteriores formas de institucionalização do cristianismo nas igrejas territoriais ou paroquiais. Sei que este tipo de crítica não é novo. Por exemplo: "Deixei o Brasil há dezessete anos. Desde então o questionamento crítico ao qual fui levado pelos acontecimentos no Brasil ainda não cessou. Meu pensamento inicial quanto à obstinação - e o potencial demoníaco - das instituições religiosas, levaram-me a perder toda a confiança nelas". (Richard Shaull, citado em FERREIRA, Valdinei. Protestantismo e Modernidade. São Paulo: Reflexão, 2010, p. 226.) Shaull se referia aos anos de chumbo da ditadura militar pós-1964. Hoje vivemos em tempos democráticos, mas as Instituições Eclesiásticas ainda insistem em defender posicionamentos arcaicos de Cristandade diante das transformações sociais e suas consequências legais e culturais. O crescimento acelerado do pentecostalismo e do neo-pentecostalismo (que prefiro chamar de protestantismo neo-liberal) afetou todas as instituições cristãs no Brasil que, cada vez mais, recrudescem a luta pela identidade - e por identidade infelizmente se entende a forma identitária velha, desgastada, irrelevante, demoníaca (para usar o termo de Shaull).

Mas, e aí veio a segunda questão: o problema da institucionalização na forma de Cristandade não está mais restrito à grande organização denominacional. Tomou corpo e forma nas próprias comunidades locais. Se já criticávamos nas últimas décadas do século passado o caráter de programas e festividades das atividades de igrejas locais, voltadas a si mesmas e não à missão, hoje a crítica precisa ser ainda mais contundente. As comunidades locais sucumbiram ao apelo demoníaco do crescimento numérico de recursos - financeiros, patrimoniais e humanos - e notem: quando fazemos de seres humanos meros "recursos", apoiamos a desumanização capitalista da pessoa e de toda a criação divina. Pessoas (e as demais criaturas de Deus) não são "recursos", são pessoas - dignas de amor, amizade, companheirismo, justiça, responsabilidade ética, etc. Na velha, mas não desgastada, linguagem da teologia latino-americana da integralidade da missão: igrejas são agências do Reino de Deus. Hoje, porém, tornaram-se agências "bancárias", do reino de Mamon, promotoras da expansão da ideologia gerencial da captação e acumulação de recursos, com vistas à acumulação de prestígio, influência e exercício de poder dominador.

Essas duas questões nos levaram, enfim, a conversar sobre a educação teológica, mas não vou tocar nesse tema agora. Volto à temática das comunidades diante da institucionalização. Precisamos, hoje em dia, mais ainda do que no final do século passado, de uma eclesiogênese (BOFF, Leonardo. Eclesiogênese: a reinvenção da igreja.Record, 2008 - reedição de texto de 1977). Ou seja, precisamos deixar que o Espírito engravide nossas comunidades com a sua semente de vida em amor e justiça. Precisamos reinventar, na novidade do Espírito, o jeito de ser comunidade cristã - assim como as CEBs foram uma linda tentativa de se abrir à novidade do Espírito. Que pistas o Espírito tem nos deixado para percebermos a sua força gestacional?

Comunidades geradas pelo materno Espírito de Deus são comunidades de companheirismo entre irmãs e irmãos - soror-fratern-idades. São comunidades de serviço às pessoas que dela participam, mas, principalmente, de serviço às pessoas que sofrem no mundo capitalista demoníaco, especialmente persente nas grandes cidades, metrópoles e megalópoles. São comunidades que se renovam nas formas de convivência, de organização e de ação. São comunidades que priorizam a missão, e não a expansão; o amor a Deus através do amor ao próximo, acima do "amor à igreja". São comunidades de estudo da Bíblia e dos mundos em que vivemos: o mundo social, o cultural, o existencial, o natural ... Em linguagem da Bíblia, são comunidades que se alegram com os que se alegram, choram com os que choram, andam a segunda milha, dão a outra face, andam por onde Jesus andou.

É tempo de uma nova reforma? Não, é tempo de eclesiogênese, começar de novo, reinventar o cristianismo - pois não adianta reformar o que não tem conserto.