sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Parceria: Pró-Vitalidade

Volto ao tema da berith - parceria, aliança ... - a partir do Antigo Testamento. Ao preferir um termo tão frágil quanto o termo parceria e ao descrevê-lo a partir de sua fragilidade - relação pessoal - é preciso acrescentar qualificativos a fim de que a teologia não seja romântica, personalista, individualista e alienada. A fim de que não seja tais coisas, mas de modo que não seja mais do que frágil palavra crítica, reflexiva, discurso, esperança.

Pró-vitalidade. Evite o termo pró-vida por causa de sua utilização no debate sobre legalidade do aborto, tema que não tratarei aqui e agora. Pró-vitalidade. Estou pensando nos dois relatos iniciais da Torá - que são dois relatos sobre a criação divina (Gn 1:1-2:4a e Gn 2:4b-3:24). A Escritura inicia, teologicamente falando, com a afirmação de Elohim-YHWH como Criador de todas as coisas que existem. Deus é pró-vitalidade: ele a vivencia plenamente, ele a reparte com suas criaturas, ele a torna normativa para a parte da criação que entra em parceria pessoal com o/a criador/a.

Que é vitalidade? Cito um teólogo sistemático fora-da-caixa: “Iremos interpretar vitalidade como amor pela vida. Este amor pela vida vincula os seres humanos com todos os demais seres vivos, que não estão apenas vivos, mas querem viver. Desafia, também, os seres humanos em sua estranha liberdade para a vida; pois a vida, que pode ser deliberadamente negada, tem de ser afirmada antes de poder ser vivida. O amor pela vida diz sim à vida a despeito de suas doenças, deformidades e enfermidades, e abre a porta para uma vida contra a morte.” (MOLTMANN, Jürgen. The Spirit of Life. A universal affirmation, Minneapolis, Fortress Press, 1992, p. 86)

Na parceria YHWH/nós-humanos, o amor pela vida é a categoria normativa chave. O amor pela vida de todas as criaturas, pois todas as criaturas divinas (minerais, vegetais, animais...) se constituem como um harmonioso-conflitivo ambiente interconectado e interdependente - simultaneamente conflitivo e harmonioso. Um lembrete: os primeiros animais a serem abençoados por Elohim-YHWH não foram os animais-humanos (Gênesis 1:20-25).

Se a parceria é pró-vitalidade, ela é contra que? Contra a violência. Contra a opressão. Contra a injustiça. Contra a miséria. Contra o abuso dos recursos planetários-cósmicos. Contra a acumulação de capital. Contra o consumismo. Etc. - Você deve definir o que cabe no "etc.". "Contra", porque muita gente prefere a força de amar a sua própria vida em vez de amar a vida de toda a criação.

Se ela é pró-vitalidade, ela é pró que? A parceria divina-humana é a favor de vida digna para todas as criaturas. É a favor, primariamente, das criaturas cuja vida em plenitude esteja ameaçada pelo que nós-humanos fazemos. A favor dos minerais, vegetais e animais que não têm vez e voz nas grandes decisões políticas e éticas. É a favor das pessoas empobrecidas, marginalizadas, abandonadas, excluídas - pelo sistema político-econômico-tecnocientífico-midiático. Pessoas cujo clamor Elohim-YHWH ouve, mas a maioria de nós-humanos é incapaz de ouvir, pois só consegue ouvir sua própria voz altissonante que diz "compre", "tenha", "determine", "seja famoso/a"...

Parceria pró-vitalidade é uma afirmação teológica frágil que deseja reafirmar, em pleno século XXI, as grandes bandeiras éticas de teologias como a liberal, a do evangelho social, a da libertação, a negra, a feminista, a da missão integral ...
Note bem: as grandes bandeiras éticas - o que é bem diferente de querer reafirmar os conceitos teológicos e suas sistematizações.

A meu ver, todas essas teologia, enquanto formas sistemáticas de conceituação, já estão fora de seu prazo de validade. Enquanto, porém, houver pobres neste mundo, discriminação por sexo, raça, cor, credo, injustiça social, etc. o grito dessas teologias continua em plena validade. Uma parceria pró-vitalidade é uma parceria libertadora, emancipadora, humanizadora, eco-transformadora.

Nada de romantismo. Nada de individualismo. Nada de ideologismo. Muito, sim, de con-vocação à responsabilidade, à solidariedade, à cidadania ...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Alunos universitários agridem colegas da Unesp em "rodeio de gordas"

Só para registrar, copiando da Folha de São Paulo, edição online.

Que passa na cabeça de universitários que fazem de suas colegas "animais de rodeio"? Não é só machismo. Não é só ignorância. É algo mais, muito pior. E na maior cara de pau, segundo a reportagem da Folha, os responsáveis por tal estupidez ainda se defenderam: "é só brincadeira".

Em uma sociedade consumista, dinheirista, que idolatra as "medidas certas" das modelos esqueléticas, a "alimentação saudável" dos corpos de academia, cada vez mais se pratica a desumanização. Já não basta o estigma social colocado sobre as pessoas que não correspondem aos padrões de medição corpórea? Já não basta o sexismo ainda existente e imperante?

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/820901-alunos-universitarios-agridem-colegas-da-unesp-em-rodeio-de-gordas.shtml

E isso acontece em meio a avanços tímidos da equidade entre homens-mulheres na sociedade brasileira. Confiram:
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/10/12/brasil-volta-cair-em-ranking-de-igualdade-entre-sexos-922766697.asp

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Que tipo de parceria?

Como afirmei no post anterior, penso que o termo parceria é a melhor tradução para o português do significado teológico (propriamente dito) da palavra hebraica berith.

A maior parte das traduções modernas da Bíblia, porém, prefere o termo aliança - que não é ruim - mas ainda assim prefiro parceria. Por quê? Porque a palavra parceria possui em seu núcleo semântico a idéia de um relacionamento interpessoal, não mediado institucionalmente, nem intermediado pessoalmente. Para a versão protestante de cristianismo, a relação da pessoa com Deus é uma relação não-humanamente-mediada (seja por mediação pessoal, seja, especialmente, por mediação institucional). Isto não significa, é claro, que a relação com Deus seja concebida de modo individualista, nem que seja concebida em oposição à participação da pessoa em uma comunidade eclesial.

A ênfase principal recai sobre o fato de que a relação com Deus é pessoal, ou seja, individual e intransferível. "Eu" me relaciono com Deus, a parceria é entre duas pessoas um "eu" e um "tu", entre as quais nada pode se intrometer para definir os termos da relação. Não é possível manter relação com Deus mediante procuração, ou mediante vicariedade, ou mediante solidariedade. "Eu" e "tu" são parceiros enquanto se mantêm na relação eu-tu.

Por outro lado, em função do individualismo que infesta as culturas ocidentais, é importante destacar que a pessoalidade sempre implica em intersubjetividade (ou interpessoalidade, embora este termo não seja comumente usado). A intersubjetividade presente na pessoalidade da parceria, entretanto, não é do caráter da intermediação, nem da representação, mas, da apresentação (no sentido de pessoas apresentando pessoas a outras pessoas). Uma vez apresentadas, o conjunto das pessoas envolvidas passa a formar uma comunidade, uma comunhão de pessoas que se comunicam, buscando a construção de um projeto comum de vida em parceria.

Colocada desta maneira, a significação teológica da parceria se revela prisioneira de uma grande dose de fragilidade. Relações interpessoais podem terminar a qualquer momento. Podem ser cooptadas institucionalmente e transformadas em relações contratuais. Podem ser manipuladas de tal forma que a parceria se extinga e ocorra em seu lugar o uso de uma pessoa por outra(s). Talvez por isso encontremos um dito "enigmático" de Jesus no evangelho de Lucas: o reino de deus é tomado violentamente. Talvez por isso Paulo tenha destacado o poder da fraqueza de Deus. Talvez por isso as virtudes "teologais" sejam fé, amor e esperança - virtudes frágeis, duas das quais meramente temporárias, sendo que somente o amor permanece além e aquém da temporalidade.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Deus, nosso parceiro.

Mudando de Assunto! Chega de brincadeiras de mau-gosto. Vamos voltar aos papos teológicos mais agradáveis. Já expus minha indignação. É hora do prazer e da diversão.

No último fim de semana lecionei em Petrópolis um tema de teologia do antigo testamento - o da aliança (BERITH em hebraico). Nas discussões acadêmicas há um imenso material sobre o tema. Aprendi muito com os especialistas que eu li. Mas, acho que ainda há lugar para uma descrição diferente do significado desse conceito da aliança.

Que característica do ser-agir de YHWH é destacada pelo uso dessa palavra/termo no AT? Para mim, a melhor síntese desse uso pode ser feita pela palavra "parceria". O conceito teológico da aliança no AT nos apresenta um Deus parceiro da gente, parceiro de toda a criação.

As palavras parceria e parceiro não têm feito parte do vocabulário técnico da teologia. A linguagem técnica prefere aliança, pacto, tratado, contrato, decreto, etc. Essas palavras têm sua vez, não nego. Mas. Mas, porém, todavia ...

Aliança é, antes, aquém e acima de tudo, uma parceria que Deus faz com sua criação. Deus se aproxima da gente e da criação. Parceiro é quem se aproxima, quem anda junto, quem suporta a/o outro/a parceiro nos seus limties, quem se alegra com a/o parceira/o nas suas alegrias...

Assim é, me parece, YHWH. Parceiro. ParceirA, também, por que não? A soberania, a transcendência, a exaltação, a santidade e os demais atributos inefáveis de YHWH não anulam este aspecto do sentido da palavra bíblica "aliança". YHWH é parceiro, amigo, companheiro, camarada...

O problema é que nós, muita vez, abusamos dos parceiros. Achamos que camarada é gente pra usar e abusar. Nós é que somos parceiros "meia-boca". YHWH é parceira/o de primeira qualidade. Fiel o tempo todo. Sempre fiel. Sempre companheir@. A questão para a gente refletir é: e eu, desfruto fielmente da parceria de YHWH, ou fico sacaneando o/a parceiro/a?

Como eu sei que permaneço fiel? Quando eu não deixo minha infidelidade durar mais tempo do que o humanamente necessário. Quando eu passo mais tempo do que eu costumo sendo parceiro das pessoas que precisam de mim. Quando o dinheiro, o prestígio, a influência, o poder, o ganho não são meus parceiros, mas apenas objetos que uso e jogo fora quando gastos. Com certeza tem mais coisa a se dizer sobre isto ...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Blasfêmia?

Blasfêmia é um termo que saiu fora de moda. No mundo do "politicamente correto" e da "liberdade de expressão", a acusação de blasfêmia (uma fala que desonra a Deus, ou a instituição religiosa que representa Deus, ou a religião mesma) é normalmente vista como retrógrada, autoritária, intolerante - lembremos dos casos em que o Islamismo foi acusado de tal atitude - a condenação de Salman Rushdie e o episódio dos cartoons. Houve casos em que Igrejas cristãs se posicionaram radicalmente contrárias a certos filmes ou obras de arte, recentemente - e embora não tenham usado tal palavra, a acusação de intolerância foi levantada imediatamente.

Como, porém, avaliar o atual momento da campanha eleitoral pela presidência da República? Uma candidata se reúne com lideranças evangélicas(?) e, ao ouvir uma exigência vazia, assume um compromisso inútil (a carta sobre o aborto). Vazia e inútil, por quê? Porque já há vários projetos de lei em discussão no Congresso Nacional sobre a descriminalização parcial ou total do aborto (em acréscimo às exceções já previstas em lei). Ora, a troco de que a futura-esperançosa presidente da república promete que não tomará iniciativa no envio de projetos de lei ao Congresso relativos ao aborto, se tais já existem e se qualquer deputado ou senador pode fazê-lo? e cito a sua carta: "3. Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País." Bela e vazia e inútil e astuta promessa - astuta, porque a candidata não disse ser contra a descriminalização do aborto, pois se o tivesse dito, teria de explicar a mudança (suposta ou real) de posição.

Vejamos mais um exemplo de inutilidade: "Com relação ao PLC 122, caso aprovado no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro (sic!) governo nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no país." Ora, a troco de que a candidata promete que irá cumprir a Constituição se eleita? Não fará nada mais do que sua obrigação constitucional como principal executiva do país! Isto sem contar com a possibilidade de derrubada do veto presidencial, e sem contar com o Supremo Tribunal Federal, corte que é responsável pela análise de casos de possível violação da constituição por leis ...

Bem, quem pediu ignorantemente o compromisso, recebeu o que pediu. Evangélicos (quem são eles?) abandonaram a altiva alienação da política partidária e assumiram a ignorante participação na campanha. Cá entre nós, muito pior!, mas bota muito nisso!!! Que é tal conversa, senão blasfêmia? Deus é desonrado pela ignorância dos que se pretendem seus representantes, é desonrado pela sagacidade política da candidata que angaria votos cristãos com promessas vazias e compromissos inúteis.

Do outro lado da campanha, nada melhor. Pior, até! A campanha do candidato José Serra conta agora com um novo santinho, em que a frase "Jesus é a verdade e a justiça" recebe o peso da autoridade da assinatura do candidato. Usar o nome e o caráter de Jesus para ganhar votos, senhor candidato, é blasfêmia! Desonra o nome de Deus ser vinculado servilmente a propósitos eleitorais (ou eleitoreiros?) e ser subordinado à autoridade do futuro-esperançoso presidente da República.

E os folhetos e textos - supostamente - de autoria da CNBB contra a candidata Dilma? (o que é negado pelos seus líderes) - cito a fonte da notícia, não da defesa da CNBB: "Neste domingo (17), a Polícia Federal apreendeu em uma gráfica em São Paulo, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), folhetos com o texto intitulado "Apelo a todos os brasileiros e brasileiras", assinado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O folheto relaciona a candidata do PT à defesa da legalização do aborto. Segundo a gráfica, os folhetos foram encomendados pela Diocese de Guarulhos (SP)." http://www.jusbrasil.com.br/politica/6076943/serra-nega-participacao-do-psdb-em-folhetos-religiosos-contra-dilma). Ultraje à CNBB ter seu nome usado dessa maneira. Blasfêmia! Desonra a Deus que seu Santo nome seja desonrado em prol da fé na vitória eleitoral de tal ou qual candidato(a).

Blasfêmia, porque Deus é desonrado quando candidatos à presidência de uma república democrática reduzem a campanha a questões morais-religiosas e desconsideram os cidadãos não-cristãos que aqui habitam. Como Deus não faz acepção de pessoas, mas faz cair sol e chuva sobre "justos e injustos", a parcialidade religiosa da campanha é uma afronta contra o nome de Deus. (Ah! antes que nos esqueçamos: Jesus morreu e ressuscitou pelos injustos, não pelos justos ...)

Ainda bem que Deus não é um todo poderoso ancião vingador, doutra sorte ai de nós, brasileiros, que seríamos vítimas das iras e maldições da divindade desonrada.

Ainda é tempo de pedir perdão. Quem se habilita?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Em quem votar nesta eleição? Critérios Teológicos?

Nas últimas semanas tenho acompanhado as polêmicas religiosas relativas à escolha de candidato à presidência da República, em relação às quais já fiz alguns posts aqui no blog. Desejo retomar o assunto, tentando responder às perguntas do título.

1. Começo com a segunda: existem critérios teológicos específicos para a escolha de um(a) candidato(a) a um cargo estatal? Minha resposta é simples e direta: não! Critérios teológicos existem em âmbito mais geral, mais abstrato, tais como justiça social, eqüidade, liberdade, etc. Este tipo de critérios não permite um vínculo causal direto com a escolha de tal ou qual candidato a um cargo qualquer, mesmo o da presidência da república.

Os critérios de cunho mais genérico nos fazem perguntar pelo projeto político do partido (ou coligação de partidos) pelo qual o/a candidato/a concorre ao cargo estatal. Por exemplo: se elegermos tal projeto político, podemos esperar uma melhoria nas condições de vida da população mais pobre? podemos esperar maior eqüidade social e econômica? podemos esperar maior dose de liberdade individual com respeito à lei e aos direitos do próximo?

Colocando a questão da maneira acima, parece-me que fica bastante claro que não é possível formular uma relação causal pura e simples entre opção teológica e opção eleitoral. Entretanto, na linha do último post, tal forma de ver a questão possui uma importante implicação ética: que faremos nós, eleitoras e eleitores, para ajudar o governo eleito a cumprir sua vocação? Que faremos nós para fiscalizar o cumprimento do projeto político que elegemos?

2. Encaminho-me à primeira pergunta. Em quem votar neste segundo turno nas eleições para presidente da república?

Em primeiro lugar: não devemos impor, por razões éticas, ou por razões teológicas, à comunidade eclesial, este ou aquele candidato. Não podemos, do ponto de vista dos direitos fundamentais e da ética cristã, definir o voto de quem quer que seja. Em outras palavras: dizer que um cristão deve votar na Dilma ou no Serra, por razões éticas ou teológicas, é ferir o princípio ético e jurídico das liberdades fundamentais da pessoa humana.

Dito isto, não resta, então, nada a fazer no tocante à escolha de candidatos? Pelo contrário. Há muito que se fazer. Pastores, pastoras, padres, e demais líderes cristãos e de outras religiões, em uma sociedade democrática, deveriam ser pessoas capazes de orientar as suas comunidades sobre o sentido amplo da política e da escolha eleitoral. Orientar, insisto, e não direcionar. Se dizemos que a comunidade deve votar neste ou naquela, contribuímos para a manutenção da dependência ética e intelectual dos membros da comunidade. Em termos teológicos: negamos a nossa vocação de líderes que edificam, e assumimos a condição de líderes que infantilizam.

Podemos ajudar nossas comunidades a formular critérios políticos para a escolha pessoal, livre e responsável. Lembro-me de um post antigo aqui no blog, em que me perguntava que tipo de ensino o jogador de futebol Neymar recebia de seu pastor, na igreja evangélica a que pertence, pois ele dizia não se interessar por política quando perguntado sobre em quem votaria para presidente. Ou não recebia nenhuma orientação, ou recebia a pior possível: uma teologia dualista que afirma que nossa cidadania é apenas e tão somente celestial, de modo que a terrena não tem valor.

Se, voltando à polêmica, nosso voto será decidido especificamente pela questão da descriminalização do aborto, então será um péssimo voto. As questões éticas vinculadas ao aborto são importantes e complexas, não devemos menosprezá-las. Entretanto, o papel da presidência da república transcende em muito a questão ética do aborto. Tem a ver com a ética pública em sentido amplo: governar visando o maior grau possível de justiça para o maior número possível de pessoas em seus contextos sócio-culturais e econômicos. Governar, a partir de um projeto partidário, mas transcendendo esse projeto, visando a melhoria da vida de toda a população. Governar de modo que o compromisso pessoal e individual de cada cidadão com a plena cidadania cresça e se concretize na defesa dos direitos de todas as pessoas.

Quem é capaz de fazer essas coisas?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Política Cristã? Buscando viver eticamente

Exercer eticamente a cidadania é um desafio ético prioritário em sociedades democráticas. A ação cidadã não se restringe ao voto e ao cumprimento das leis do país. A ação cidadã implica, exige que a ação de cada cidadã e cidadão seja dirigida à construção de uma sociedade cada vez mais justa, livre, harmoniosa e pacífica. Ser cidadão significa participar ativamente da vida pública do país, seja na esfera da política partidária, seja na esfera dos movimentos sociais, seja na esfera das instituições governamentais (municipais, estaduais e federais), seja na das instituições mistas (conselhos tutelares, etc.), seja no chamado Terceiro Setor, seja no âmbito micro-social do bairro, da vizinhança. Participar ativamente de modo a que cada vez mais pessoas sejam beneficiadas pela justiça, e se implante mais e mais o bem comum.

No regime político em que vivemos, as relações de poder estruturadas não são apenas as relações especificamente estatais. As sociedades democráticas capitalistas contemporâneas possuem também outros tipos de relações estruturadas de poder: o poder econômico, o poder científico-tecnológico, e o poder midiático. Uma ética política evangélica também tem de formular valores e princípios apropriados para o exercício das relações de poder no âmbito dessas estruturações sociais. Na estruturação econômica capitalista, as relações de poder são declaradamente assimétricas e egocêntricas. Segundo teóricos do capitalismo, o egoísmo é a forma mais eficaz do amor ao próximo: somente quem almeja o maior lucro possível e trabalha para alcançá-lo irá contribuir para o sucesso da ordem econômica. É claro que, para fazer isto, a ética econômica é centrada na concorrência, na competição. Então, agir contra o bem econômico do próximo pode ser visto como uma virtude!

Se reconhecemos que o poder econômico, na atualidade, engloba todos os demais poderes, inclusive o poder estatal, precisamos reconhecer que o maior e mais prioritário desafio ético de nosso tempo é o da transformação das relações de poder econômico. Neste caso, a forma concreta da cidadania deverá ser dupla: resistência contra a fome devoradora do capital e prática criativa da solidariedade econômica, que significa a inclusão do maior número de pessoas possível na atividade econômica e no desfrutar do produto econômico do país (em outras palavras, justa distribuição da renda...). Isto não implica, necessariamente, em uma revolução estrutural econômica de tipo comunista ou socialista. Implica, sim, pelo menos em uma ordenação jurídica e funcional do mercado e do capital que diminuam ao máximo possível os efeitos perversos do sistema capitalistas, e previnam o máximo possível o funcionamento de mecanismos sócio-econômicos injustos.

No âmbito das relações de poder científicas e midiáticas, bastante aparentadas entre si, na medida em que ambas disputam a verdade e a opinião pública, o eixo ético deverá ser o do discernimento, o da apropriação crítica dos produtos técnico-científicos e midiáticos, associado ao da inclusão. No caso específico da tecnologia, a lógica da solidariedade e do bem-comum exige, do ponto de vista ético, que os avanços tecnológicos não fiquem restritos apenas a quem tem dinheiro para pagar por eles. Os avanços tecnológicos precisam beneficiar toda a população, e não apenas uma elite ou um segmento privilegiado da população de um país. No caso específico da mídia, a lógica do bem-comum exige que os conteúdos e os programas veiculados não defendam unilateralmente uma concepção de sociedade ou um conjunto único de valores. A mídia precisa ser democrática, ser porta-voz da pluralidade de opiniões e valores da sociedade democrática, e não só a dos patrocinadores das emissoras. Se no caso da tecnologia é preciso ampliar o acesso aos seus benefícios, no caso da mídia é preciso ampliar o acesso à produção de programas e conteúdos e sua conseqüente difusão.

Enfim, não é possível formular uma ética política evangélica que exclua a natureza não-humana de sua abrangência e preocupação. Dentre as vítimas das relações injustas, dominadoras, de poder no mundo ocidental contemporâneo, a natureza é uma das mais afetadas, se não a mais afetada. Neste caso, o eixo ético político evangélico será o do cuidado da criação divina confiada ao ser humano para seu sustento e prazer. O cuidado deverá ser realizado tanto em dimensão macro-ecológica, quanto em dimensão micro-ecológica. Por exemplo, em âmbito micro-ecológico cada cidadã e cidadão planetário deveria cuidar do consumo da água, do uso de elementos poluentes, da preservação de jardins e praças, etc. Em âmbito macro-ecológico, proteger eco-sistemas da depredação e degradação, proteger espécies ameaças da extinção. Como em todas as outras dimensões da ética política na atualidade, a dimensão ecológica também deverá ser igualmente local e global.

Moralidade e Voto

Não entrarei no mérito das questões éticas/morais sobre aborto, homossexualismo, etc. Meu tópico é o da vinculação entre posições morais de candidatos à presidência e a definição pessoal do voto por cristãos.

Começo com uma pergunta: se quem muda a legislação do país é o Congresso Nacional, e não o Presidente da República, não seria muito mais importante do que perguntar pela posição do candidato à presidência sobre questões morais, fazer uma sabatina com todos os candidados ao legislativo?

Faço uma segunda pergunta: que relação existe entre a posição de um candidato sobre um tema específico da moralidade e a possibilidade desse candidato, se eleito, realizar um governo que atenda às necessidades e interesses da justiça e do bem comum?

Terceira pergunta: se nós protestantes acreditamos que todos os seres humanos são igualmente pecadores, por que um eventual pecado específico deveria ser usado para negar o voto a uma pessoa? Que critérios teológicos usaríamos para fazer esse tipo de escolha?

Quarta pergunta: não é estranho que candidatos agora fiquem cortejando lideranças evangélicas para garantir sua eleição? Ou você acha que tal afinidade com os evangélicos é algo "de coração"?

Para encerrar: não deveríamos, como cristãos, perguntar aos candidatos a sua posição sobre justiça social, honestidade, integridade, violência, política externa, tributação ... ?