Blasfêmia é um termo que saiu fora de moda. No mundo do "politicamente correto" e da "liberdade de expressão", a acusação de blasfêmia (uma fala que desonra a Deus, ou a instituição religiosa que representa Deus, ou a religião mesma) é normalmente vista como retrógrada, autoritária, intolerante - lembremos dos casos em que o Islamismo foi acusado de tal atitude - a condenação de Salman Rushdie e o episódio dos cartoons. Houve casos em que Igrejas cristãs se posicionaram radicalmente contrárias a certos filmes ou obras de arte, recentemente - e embora não tenham usado tal palavra, a acusação de intolerância foi levantada imediatamente.
Como, porém, avaliar o atual momento da campanha eleitoral pela presidência da República? Uma candidata se reúne com lideranças evangélicas(?) e, ao ouvir uma exigência vazia, assume um compromisso inútil (a carta sobre o aborto). Vazia e inútil, por quê? Porque já há vários projetos de lei em discussão no Congresso Nacional sobre a descriminalização parcial ou total do aborto (em acréscimo às exceções já previstas em lei). Ora, a troco de que a futura-esperançosa presidente da república promete que não tomará iniciativa no envio de projetos de lei ao Congresso relativos ao aborto, se tais já existem e se qualquer deputado ou senador pode fazê-lo? e cito a sua carta: "3. Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País." Bela e vazia e inútil e astuta promessa - astuta, porque a candidata não disse ser contra a descriminalização do aborto, pois se o tivesse dito, teria de explicar a mudança (suposta ou real) de posição.
Vejamos mais um exemplo de inutilidade: "Com relação ao PLC 122, caso aprovado no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro (sic!) governo nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no país." Ora, a troco de que a candidata promete que irá cumprir a Constituição se eleita? Não fará nada mais do que sua obrigação constitucional como principal executiva do país! Isto sem contar com a possibilidade de derrubada do veto presidencial, e sem contar com o Supremo Tribunal Federal, corte que é responsável pela análise de casos de possível violação da constituição por leis ...
Bem, quem pediu ignorantemente o compromisso, recebeu o que pediu. Evangélicos (quem são eles?) abandonaram a altiva alienação da política partidária e assumiram a ignorante participação na campanha. Cá entre nós, muito pior!, mas bota muito nisso!!! Que é tal conversa, senão blasfêmia? Deus é desonrado pela ignorância dos que se pretendem seus representantes, é desonrado pela sagacidade política da candidata que angaria votos cristãos com promessas vazias e compromissos inúteis.
Do outro lado da campanha, nada melhor. Pior, até! A campanha do candidato José Serra conta agora com um novo santinho, em que a frase "Jesus é a verdade e a justiça" recebe o peso da autoridade da assinatura do candidato. Usar o nome e o caráter de Jesus para ganhar votos, senhor candidato, é blasfêmia! Desonra o nome de Deus ser vinculado servilmente a propósitos eleitorais (ou eleitoreiros?) e ser subordinado à autoridade do futuro-esperançoso presidente da República.
E os folhetos e textos - supostamente - de autoria da CNBB contra a candidata Dilma? (o que é negado pelos seus líderes) - cito a fonte da notícia, não da defesa da CNBB: "Neste domingo (17), a Polícia Federal apreendeu em uma gráfica em São Paulo, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), folhetos com o texto intitulado "Apelo a todos os brasileiros e brasileiras", assinado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O folheto relaciona a candidata do PT à defesa da legalização do aborto. Segundo a gráfica, os folhetos foram encomendados pela Diocese de Guarulhos (SP)." http://www.jusbrasil.com.br/politica/6076943/serra-nega-participacao-do-psdb-em-folhetos-religiosos-contra-dilma). Ultraje à CNBB ter seu nome usado dessa maneira. Blasfêmia! Desonra a Deus que seu Santo nome seja desonrado em prol da fé na vitória eleitoral de tal ou qual candidato(a).
Blasfêmia, porque Deus é desonrado quando candidatos à presidência de uma república democrática reduzem a campanha a questões morais-religiosas e desconsideram os cidadãos não-cristãos que aqui habitam. Como Deus não faz acepção de pessoas, mas faz cair sol e chuva sobre "justos e injustos", a parcialidade religiosa da campanha é uma afronta contra o nome de Deus. (Ah! antes que nos esqueçamos: Jesus morreu e ressuscitou pelos injustos, não pelos justos ...)
Ainda bem que Deus não é um todo poderoso ancião vingador, doutra sorte ai de nós, brasileiros, que seríamos vítimas das iras e maldições da divindade desonrada.
Ainda é tempo de pedir perdão. Quem se habilita?
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