Exercer eticamente a cidadania é um desafio ético prioritário em sociedades democráticas. A ação cidadã não se restringe ao voto e ao cumprimento das leis do país. A ação cidadã implica, exige que a ação de cada cidadã e cidadão seja dirigida à construção de uma sociedade cada vez mais justa, livre, harmoniosa e pacífica. Ser cidadão significa participar ativamente da vida pública do país, seja na esfera da política partidária, seja na esfera dos movimentos sociais, seja na esfera das instituições governamentais (municipais, estaduais e federais), seja na das instituições mistas (conselhos tutelares, etc.), seja no chamado Terceiro Setor, seja no âmbito micro-social do bairro, da vizinhança. Participar ativamente de modo a que cada vez mais pessoas sejam beneficiadas pela justiça, e se implante mais e mais o bem comum.
No regime político em que vivemos, as relações de poder estruturadas não são apenas as relações especificamente estatais. As sociedades democráticas capitalistas contemporâneas possuem também outros tipos de relações estruturadas de poder: o poder econômico, o poder científico-tecnológico, e o poder midiático. Uma ética política evangélica também tem de formular valores e princípios apropriados para o exercício das relações de poder no âmbito dessas estruturações sociais. Na estruturação econômica capitalista, as relações de poder são declaradamente assimétricas e egocêntricas. Segundo teóricos do capitalismo, o egoísmo é a forma mais eficaz do amor ao próximo: somente quem almeja o maior lucro possível e trabalha para alcançá-lo irá contribuir para o sucesso da ordem econômica. É claro que, para fazer isto, a ética econômica é centrada na concorrência, na competição. Então, agir contra o bem econômico do próximo pode ser visto como uma virtude!
Se reconhecemos que o poder econômico, na atualidade, engloba todos os demais poderes, inclusive o poder estatal, precisamos reconhecer que o maior e mais prioritário desafio ético de nosso tempo é o da transformação das relações de poder econômico. Neste caso, a forma concreta da cidadania deverá ser dupla: resistência contra a fome devoradora do capital e prática criativa da solidariedade econômica, que significa a inclusão do maior número de pessoas possível na atividade econômica e no desfrutar do produto econômico do país (em outras palavras, justa distribuição da renda...). Isto não implica, necessariamente, em uma revolução estrutural econômica de tipo comunista ou socialista. Implica, sim, pelo menos em uma ordenação jurídica e funcional do mercado e do capital que diminuam ao máximo possível os efeitos perversos do sistema capitalistas, e previnam o máximo possível o funcionamento de mecanismos sócio-econômicos injustos.
No âmbito das relações de poder científicas e midiáticas, bastante aparentadas entre si, na medida em que ambas disputam a verdade e a opinião pública, o eixo ético deverá ser o do discernimento, o da apropriação crítica dos produtos técnico-científicos e midiáticos, associado ao da inclusão. No caso específico da tecnologia, a lógica da solidariedade e do bem-comum exige, do ponto de vista ético, que os avanços tecnológicos não fiquem restritos apenas a quem tem dinheiro para pagar por eles. Os avanços tecnológicos precisam beneficiar toda a população, e não apenas uma elite ou um segmento privilegiado da população de um país. No caso específico da mídia, a lógica do bem-comum exige que os conteúdos e os programas veiculados não defendam unilateralmente uma concepção de sociedade ou um conjunto único de valores. A mídia precisa ser democrática, ser porta-voz da pluralidade de opiniões e valores da sociedade democrática, e não só a dos patrocinadores das emissoras. Se no caso da tecnologia é preciso ampliar o acesso aos seus benefícios, no caso da mídia é preciso ampliar o acesso à produção de programas e conteúdos e sua conseqüente difusão.
Enfim, não é possível formular uma ética política evangélica que exclua a natureza não-humana de sua abrangência e preocupação. Dentre as vítimas das relações injustas, dominadoras, de poder no mundo ocidental contemporâneo, a natureza é uma das mais afetadas, se não a mais afetada. Neste caso, o eixo ético político evangélico será o do cuidado da criação divina confiada ao ser humano para seu sustento e prazer. O cuidado deverá ser realizado tanto em dimensão macro-ecológica, quanto em dimensão micro-ecológica. Por exemplo, em âmbito micro-ecológico cada cidadã e cidadão planetário deveria cuidar do consumo da água, do uso de elementos poluentes, da preservação de jardins e praças, etc. Em âmbito macro-ecológico, proteger eco-sistemas da depredação e degradação, proteger espécies ameaças da extinção. Como em todas as outras dimensões da ética política na atualidade, a dimensão ecológica também deverá ser igualmente local e global.
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