Volto ao tema da berith - parceria, aliança ... - a partir do Antigo Testamento. Ao preferir um termo tão frágil quanto o termo parceria e ao descrevê-lo a partir de sua fragilidade - relação pessoal - é preciso acrescentar qualificativos a fim de que a teologia não seja romântica, personalista, individualista e alienada. A fim de que não seja tais coisas, mas de modo que não seja mais do que frágil palavra crítica, reflexiva, discurso, esperança.
Pró-vitalidade. Evite o termo pró-vida por causa de sua utilização no debate sobre legalidade do aborto, tema que não tratarei aqui e agora. Pró-vitalidade. Estou pensando nos dois relatos iniciais da Torá - que são dois relatos sobre a criação divina (Gn 1:1-2:4a e Gn 2:4b-3:24). A Escritura inicia, teologicamente falando, com a afirmação de Elohim-YHWH como Criador de todas as coisas que existem. Deus é pró-vitalidade: ele a vivencia plenamente, ele a reparte com suas criaturas, ele a torna normativa para a parte da criação que entra em parceria pessoal com o/a criador/a.
Que é vitalidade? Cito um teólogo sistemático fora-da-caixa: “Iremos interpretar vitalidade como amor pela vida. Este amor pela vida vincula os seres humanos com todos os demais seres vivos, que não estão apenas vivos, mas querem viver. Desafia, também, os seres humanos em sua estranha liberdade para a vida; pois a vida, que pode ser deliberadamente negada, tem de ser afirmada antes de poder ser vivida. O amor pela vida diz sim à vida a despeito de suas doenças, deformidades e enfermidades, e abre a porta para uma vida contra a morte.” (MOLTMANN, Jürgen. The Spirit of Life. A universal affirmation, Minneapolis, Fortress Press, 1992, p. 86)
Na parceria YHWH/nós-humanos, o amor pela vida é a categoria normativa chave. O amor pela vida de todas as criaturas, pois todas as criaturas divinas (minerais, vegetais, animais...) se constituem como um harmonioso-conflitivo ambiente interconectado e interdependente - simultaneamente conflitivo e harmonioso. Um lembrete: os primeiros animais a serem abençoados por Elohim-YHWH não foram os animais-humanos (Gênesis 1:20-25).
Se a parceria é pró-vitalidade, ela é contra que? Contra a violência. Contra a opressão. Contra a injustiça. Contra a miséria. Contra o abuso dos recursos planetários-cósmicos. Contra a acumulação de capital. Contra o consumismo. Etc. - Você deve definir o que cabe no "etc.". "Contra", porque muita gente prefere a força de amar a sua própria vida em vez de amar a vida de toda a criação.
Se ela é pró-vitalidade, ela é pró que? A parceria divina-humana é a favor de vida digna para todas as criaturas. É a favor, primariamente, das criaturas cuja vida em plenitude esteja ameaçada pelo que nós-humanos fazemos. A favor dos minerais, vegetais e animais que não têm vez e voz nas grandes decisões políticas e éticas. É a favor das pessoas empobrecidas, marginalizadas, abandonadas, excluídas - pelo sistema político-econômico-tecnocientífico-midiático. Pessoas cujo clamor Elohim-YHWH ouve, mas a maioria de nós-humanos é incapaz de ouvir, pois só consegue ouvir sua própria voz altissonante que diz "compre", "tenha", "determine", "seja famoso/a"...
Parceria pró-vitalidade é uma afirmação teológica frágil que deseja reafirmar, em pleno século XXI, as grandes bandeiras éticas de teologias como a liberal, a do evangelho social, a da libertação, a negra, a feminista, a da missão integral ...
Note bem: as grandes bandeiras éticas - o que é bem diferente de querer reafirmar os conceitos teológicos e suas sistematizações.
A meu ver, todas essas teologia, enquanto formas sistemáticas de conceituação, já estão fora de seu prazo de validade. Enquanto, porém, houver pobres neste mundo, discriminação por sexo, raça, cor, credo, injustiça social, etc. o grito dessas teologias continua em plena validade. Uma parceria pró-vitalidade é uma parceria libertadora, emancipadora, humanizadora, eco-transformadora.
Nada de romantismo. Nada de individualismo. Nada de ideologismo. Muito, sim, de con-vocação à responsabilidade, à solidariedade, à cidadania ...
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