quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Em quem votar nesta eleição? Critérios Teológicos?

Nas últimas semanas tenho acompanhado as polêmicas religiosas relativas à escolha de candidato à presidência da República, em relação às quais já fiz alguns posts aqui no blog. Desejo retomar o assunto, tentando responder às perguntas do título.

1. Começo com a segunda: existem critérios teológicos específicos para a escolha de um(a) candidato(a) a um cargo estatal? Minha resposta é simples e direta: não! Critérios teológicos existem em âmbito mais geral, mais abstrato, tais como justiça social, eqüidade, liberdade, etc. Este tipo de critérios não permite um vínculo causal direto com a escolha de tal ou qual candidato a um cargo qualquer, mesmo o da presidência da república.

Os critérios de cunho mais genérico nos fazem perguntar pelo projeto político do partido (ou coligação de partidos) pelo qual o/a candidato/a concorre ao cargo estatal. Por exemplo: se elegermos tal projeto político, podemos esperar uma melhoria nas condições de vida da população mais pobre? podemos esperar maior eqüidade social e econômica? podemos esperar maior dose de liberdade individual com respeito à lei e aos direitos do próximo?

Colocando a questão da maneira acima, parece-me que fica bastante claro que não é possível formular uma relação causal pura e simples entre opção teológica e opção eleitoral. Entretanto, na linha do último post, tal forma de ver a questão possui uma importante implicação ética: que faremos nós, eleitoras e eleitores, para ajudar o governo eleito a cumprir sua vocação? Que faremos nós para fiscalizar o cumprimento do projeto político que elegemos?

2. Encaminho-me à primeira pergunta. Em quem votar neste segundo turno nas eleições para presidente da república?

Em primeiro lugar: não devemos impor, por razões éticas, ou por razões teológicas, à comunidade eclesial, este ou aquele candidato. Não podemos, do ponto de vista dos direitos fundamentais e da ética cristã, definir o voto de quem quer que seja. Em outras palavras: dizer que um cristão deve votar na Dilma ou no Serra, por razões éticas ou teológicas, é ferir o princípio ético e jurídico das liberdades fundamentais da pessoa humana.

Dito isto, não resta, então, nada a fazer no tocante à escolha de candidatos? Pelo contrário. Há muito que se fazer. Pastores, pastoras, padres, e demais líderes cristãos e de outras religiões, em uma sociedade democrática, deveriam ser pessoas capazes de orientar as suas comunidades sobre o sentido amplo da política e da escolha eleitoral. Orientar, insisto, e não direcionar. Se dizemos que a comunidade deve votar neste ou naquela, contribuímos para a manutenção da dependência ética e intelectual dos membros da comunidade. Em termos teológicos: negamos a nossa vocação de líderes que edificam, e assumimos a condição de líderes que infantilizam.

Podemos ajudar nossas comunidades a formular critérios políticos para a escolha pessoal, livre e responsável. Lembro-me de um post antigo aqui no blog, em que me perguntava que tipo de ensino o jogador de futebol Neymar recebia de seu pastor, na igreja evangélica a que pertence, pois ele dizia não se interessar por política quando perguntado sobre em quem votaria para presidente. Ou não recebia nenhuma orientação, ou recebia a pior possível: uma teologia dualista que afirma que nossa cidadania é apenas e tão somente celestial, de modo que a terrena não tem valor.

Se, voltando à polêmica, nosso voto será decidido especificamente pela questão da descriminalização do aborto, então será um péssimo voto. As questões éticas vinculadas ao aborto são importantes e complexas, não devemos menosprezá-las. Entretanto, o papel da presidência da república transcende em muito a questão ética do aborto. Tem a ver com a ética pública em sentido amplo: governar visando o maior grau possível de justiça para o maior número possível de pessoas em seus contextos sócio-culturais e econômicos. Governar, a partir de um projeto partidário, mas transcendendo esse projeto, visando a melhoria da vida de toda a população. Governar de modo que o compromisso pessoal e individual de cada cidadão com a plena cidadania cresça e se concretize na defesa dos direitos de todas as pessoas.

Quem é capaz de fazer essas coisas?

Um comentário:

  1. Caro Júlio, entendo que seu último parágrafo resume bem o que se espera de um presidente. Mas não consigo ver em nenhum dos atuais candidatos a potencialidade para atender a tais requisitos a contento. Acho que vou aceitar o convite para a pescaria...
    Valeu pelo texto!
    Abs,
    Jonathan

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