"Cristianismo Autêntico" - uso o termo de forma retórica, pois nada do que fazemos pode ser definitivamente autêntico. "Autêntico", em comparação com o que está aí, predominando, crescendo e assustando ...
Que vitória foi essa? Vitória de goleada, 10 a 0, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, contra a discriminação. Foi “também” vitória do Cristianismo, pois podemos pegar carona na vitória da democracia e do movimento de defesa dos direitos das pessoas homoafetivas. Em cinco de maio de 2011, foi reconhecida a união estável de casais não heterossexualmente constituídos. Os direitos de cidadania foram restituídos a cidadãs e cidadãos brasileiros impedidos de exercê-los em função de sua opção sexual e identidade de gênero. No julgamento, a CNBB se fez representar (de modo legal, diga-se de passagem), e defendeu a posição contrária ao reconhecimento da união estável, fundada, basicamente, na preocupação de que tal aprovação seria a base do colapso da família. Se outras denominações cristãs tivessem feito o mesmo pedido de participação no julgamento, tenho certeza de que a maioria (talvez a totalidade??) se posicionaria juntamente com a Igreja Católica Apostólica Romana.
Se é assim, como afirmar que o resultado do julgamento foi uma vitória do cristianismo autêntico? Por que:
1. O Cristianismo Autêntico não é Cristandade, ou seja, está devidamente separado de modo institucional do Estado. É claro que separação institucional não significa ausência de relação. Que a CNBB tenha se representado no julgamento é algo positivo, pois reconhecimento (ou resignação) da separação institucional. Que o Supremo não tenha aceitado as ponderações da CNBB é algo ainda mais positivo, pois tais ponderações representam um retorno ao modelo de Cristandade. Na Cristandade, é a Igreja quem dita as normas morais para toda a sociedade, e o Estado as garante mediante a força da Lei e da Polícia. Não podemos voltar a esse tempo. Se lutamos contra a "Cristandade" Islâmica, não podemos ser hipócritas e defender uma "Cristandade" Cristã. União estável é uma realidade civil, pública, e, se daí resultar a legalização do casamento de não-heterossexuais, continuará sendo uma questão de direitos civis. Casamento religioso é um ato privado - nenhuma igreja ou religião poderá ser obrigada legalmente a casar pessoas que não atendam às exigências PRIVADAS de seus estatutos legais e morais.
2. O Cristianismo Autêntico é tolerante e respeita a pluralidade moral. Nos escritos do Novo Testamento não há imposição de uma moralidade cristã a toda a sociedade. A moralidade cristã é uma questão de seguimento de Jesus Cristo e seguir a Jesus Cristo não vem do berço, nem do Estado. É uma opção de vida, ato de fé, ato de amor. Não é obrigatório, nem mandatório. "Pela graça sois salvos". Em Romanos 2 e em Mateus 25.31-40 encontramos textos que mostram: (a) que seguidores de Deus e de Jesus não têm o direito de julgar o próximo; (b) que as pessoas que buscam viver uma vida justa ("aos que, com perseverança em favor o bem, procuram glória, e honra e incorrupção"; "glória, porém, e honra e paz a todo aquele que pratica o bem, primeiramente ao judeu, e também ao grego; pois para com Deus não há acepção de pessoas." Rm 2), mesmo não estando oficialmente na comunidade de seguidores de Deus e de Jesus, recebem a vida eterna; (c) que o critério do juízo final não é doutrinário, mas prático: amor e serviço a Jesus através do amor e serviço ao necessitado (Mt 25,31ss). Apesar da dignidade tradicional do dito na história das igrejas, precisamos insistir: Fora da Igreja Há, Sim, Salvação".
3. O Cristianismo Autêntico apoia a democracia e os estados democráticos na medida em que aquela e estes defendem a justiça e possibilitam a igualdade de direitos e de situação concreta de vida. Cristãs e cristãos não apoiam cegamente a democracia ou estados democráticos. O apoio é condicionado, conforme, por exemplo, Romanos 13,1ss - quando a autoridade política faz o bem e defende quem pratica o bem, merece nosso apoio. Quando não, merece nossa denúncia - como os profetas de Israel denunciavam as autoridades de seu tempo. Garantir a igualdade de direitos a todos os cidadãos e cidadãs é um ato democrático no sentido mais digno do termo. Não podemos defender a igualdade de direitos para pobres, negros, mulheres, indígenas, idosos, crianças, portadores de deficiências, etc. e, ao mesmo tempo, negar a igualdade de direitos a pessoas que, por opção sexual ou identidade de gênero, se diferenciam das identidades éticas religiosas da maioria da população. O conceito cristão de pecado não pode ser usado como base para atos discriminatórios.
4. Vitória do Cristianismo Autêntico porque a decisão do STF obrigará instituições, comunidades e indivíduos cristãos a refletir sobre seu lugar e papel na democracia. Obrigará o Estado e a sociedade brasileira a refletir sobre a relação entre pluralidade moral e maioria cristã da população. Obrigará estado, sociedade e igrejas a revisar a questão da laicidade do estado e da separação institucional Religião-Estado. Neste terreno, há muito que fazer ainda no Brasil - há várias práticas não-democráticas ainda em vigor, que necessitam ser revogadas e renormatizadas.
5. Vitória do Cristianismo Autêntico porque a decisão obrigará as igrejas cristãs a estudar e a reaprender a anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo. O anúncio de Cristo é boa-nova para todas as pessoas, porque todos nós somos pecadores, e nenhum pecador é mais pecador do que outro; nenhuma pecadora é merecedora de mais castigo do que outra pecadora - por isso, se somos todos iguais perante Deus, nenhum(a) de nós cristã(o)s pode ser merecedor de direitos de cidadania que sejam negados a não-cristãos ou a cristãos de minorias religiosas. "Só Jesus Cristo salva" tem o mesmo valor e impacto para todas as pessoas, independentemente de raça, cor, credo, opção sexual, identidade de gênero, classe social, persuasão política, etc. O convite ao seguimento autêntico de Jesus Cristo interpela todas as pessoas igualmente, com a mesma exigência de radical entrega de si a Deus e a seu projeto de vida amorosa e justa. Precisamos matar a mesmice hipócrita e banal a que foi reduzido o cristianismo, precisamos reinventar o discipulado, radicalmente, desde as raízes até os frutos. Precisamos aprender que seguir a Jesus não se esgota, nem se confina em fazer parte da membresia de igrejas. Seguir a Jesus se manifesta em vidas que tornam concretos e práticos os valores do Messias que deu a vida por toda a humanidade ...
Que texto maravilhoso! Gostei muito!!!
ResponderExcluirObrigado Austri!
ResponderExcluirProfessor, você me autoriza publicar esse texto maravilhoso em meu blogue? Se não puder, eu entenderei! Se puder ficarei honrado em publicar. Citando a fonte que é uma questão ética, e que, no caso de ser um texto seu e de se tratar do seu blogue, faço-o não somente como um dever mas com enorme satisfação.
ResponderExcluirTenho um artigo seu em meu blogue TEOLOGIA E SOCIEDADE - mudei o nome para ficar de acordo com a proposta do blogue. Esse artigo é sobre missões, eu o achei no site MISSÕES E ADORAÇÃO. Um texto fantástico. Parabéns por esse texto que fala em "Missão segundo o modelo de Jesus Cristo." Eis o link da postagem em meu blogue: http://circuloteologico.blogspot.com/2011/05/missao-segundo-o-modelo-de-jesus-cristo.html
Um grande abraço!
Oi, Júlio. Excelente texto! Inspiração teológica evidente sobre o assunto. Parabéns.
ResponderExcluirFiz inscrição para acompanhá-lo. Quando puder, dê uma olhada no meu blog também. Abs.