sexta-feira, 6 de maio de 2011

Igreja: Meio, não Fim

Estou de volta ao blog. Já expliquei as razões da ausência prolongada, e acrescento mais duas: passei a semana em São Paulo - no Congresso da ANPTCRE (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências das Religiões) e no lançamento de dois livros: A Bíblia sob Três Olhares (escrito a seis mãos, com João Leonel e Paulo Nogueira) e Para uma Teologia Pública (escrito a duas mãos), ambos pela Fonte Editorial de São Paulo.

Dentre as atividades do Congresso (onde apresentei um pequeno texto sobre Hermenêutica em Tom Pós-Metafísico), contatos institucionais e lançamento, aproveitei para conversar com colegas, ex-alunos, que estão no ministério pastoral e educacional em São Paulo. Em meio às conversas, apesar do esforço em manter os assuntos no ambiente mais coloquial possível, não conseguimos evitar tocar em temas teológicos e pastorais. Duas questões que discutimos me motivaram a escrever estas mal-traçadas linhas (essa é lá dos tempos do baú ...)

Vivemos em um período pós-denominacional, ou seja, pós-institucionalidade denominacional das igrejas cristãs. Há tempos as instituições denominacionais se tornaram fins em si mesmas, desligadas irremediavelmente da vida das comunidades cristãs, dos anseios e necessidades das comunidades e das pessoas concretas que delas participam, as sustentam e são sua razão de ser. As instituições eclesiásticas cristãs são monstrengos que, apesar da roupagem moderna do Protestantismo, mantêm os mesmos defeitos e limitações das anteriores formas de institucionalização do cristianismo nas igrejas territoriais ou paroquiais. Sei que este tipo de crítica não é novo. Por exemplo: "Deixei o Brasil há dezessete anos. Desde então o questionamento crítico ao qual fui levado pelos acontecimentos no Brasil ainda não cessou. Meu pensamento inicial quanto à obstinação - e o potencial demoníaco - das instituições religiosas, levaram-me a perder toda a confiança nelas". (Richard Shaull, citado em FERREIRA, Valdinei. Protestantismo e Modernidade. São Paulo: Reflexão, 2010, p. 226.) Shaull se referia aos anos de chumbo da ditadura militar pós-1964. Hoje vivemos em tempos democráticos, mas as Instituições Eclesiásticas ainda insistem em defender posicionamentos arcaicos de Cristandade diante das transformações sociais e suas consequências legais e culturais. O crescimento acelerado do pentecostalismo e do neo-pentecostalismo (que prefiro chamar de protestantismo neo-liberal) afetou todas as instituições cristãs no Brasil que, cada vez mais, recrudescem a luta pela identidade - e por identidade infelizmente se entende a forma identitária velha, desgastada, irrelevante, demoníaca (para usar o termo de Shaull).

Mas, e aí veio a segunda questão: o problema da institucionalização na forma de Cristandade não está mais restrito à grande organização denominacional. Tomou corpo e forma nas próprias comunidades locais. Se já criticávamos nas últimas décadas do século passado o caráter de programas e festividades das atividades de igrejas locais, voltadas a si mesmas e não à missão, hoje a crítica precisa ser ainda mais contundente. As comunidades locais sucumbiram ao apelo demoníaco do crescimento numérico de recursos - financeiros, patrimoniais e humanos - e notem: quando fazemos de seres humanos meros "recursos", apoiamos a desumanização capitalista da pessoa e de toda a criação divina. Pessoas (e as demais criaturas de Deus) não são "recursos", são pessoas - dignas de amor, amizade, companheirismo, justiça, responsabilidade ética, etc. Na velha, mas não desgastada, linguagem da teologia latino-americana da integralidade da missão: igrejas são agências do Reino de Deus. Hoje, porém, tornaram-se agências "bancárias", do reino de Mamon, promotoras da expansão da ideologia gerencial da captação e acumulação de recursos, com vistas à acumulação de prestígio, influência e exercício de poder dominador.

Essas duas questões nos levaram, enfim, a conversar sobre a educação teológica, mas não vou tocar nesse tema agora. Volto à temática das comunidades diante da institucionalização. Precisamos, hoje em dia, mais ainda do que no final do século passado, de uma eclesiogênese (BOFF, Leonardo. Eclesiogênese: a reinvenção da igreja.Record, 2008 - reedição de texto de 1977). Ou seja, precisamos deixar que o Espírito engravide nossas comunidades com a sua semente de vida em amor e justiça. Precisamos reinventar, na novidade do Espírito, o jeito de ser comunidade cristã - assim como as CEBs foram uma linda tentativa de se abrir à novidade do Espírito. Que pistas o Espírito tem nos deixado para percebermos a sua força gestacional?

Comunidades geradas pelo materno Espírito de Deus são comunidades de companheirismo entre irmãs e irmãos - soror-fratern-idades. São comunidades de serviço às pessoas que dela participam, mas, principalmente, de serviço às pessoas que sofrem no mundo capitalista demoníaco, especialmente persente nas grandes cidades, metrópoles e megalópoles. São comunidades que se renovam nas formas de convivência, de organização e de ação. São comunidades que priorizam a missão, e não a expansão; o amor a Deus através do amor ao próximo, acima do "amor à igreja". São comunidades de estudo da Bíblia e dos mundos em que vivemos: o mundo social, o cultural, o existencial, o natural ... Em linguagem da Bíblia, são comunidades que se alegram com os que se alegram, choram com os que choram, andam a segunda milha, dão a outra face, andam por onde Jesus andou.

É tempo de uma nova reforma? Não, é tempo de eclesiogênese, começar de novo, reinventar o cristianismo - pois não adianta reformar o que não tem conserto.

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