segunda-feira, 22 de março de 2010

Fraterna?

Fraterna é a teologia, por que ela deve ser feita na cumplicidade de pessoas que, esperando um futuro comum, mediante a fé em um mesmo Deus, se perguntam constantemente em que consistem essa esperança e essa fé, esse futuro e esse Deus. Cúmplices na arte de fazer perguntas, de não se satisfazer com as respostas já alcançadas (por melhores que sejam), de buscar sempre novos jeitos de contar a velha e sempre nova história...
Fraterna é a teologia, por que é ação de pessoas que se amam e, por que se amam, não vivem em um idílico mundo ideal de ausência de conflitos. Irmãs e irmãos brigam sim, discutem, saem no tapa, às vezes um mata o outro ... Mas, no fim das contas, continuam irmãs e irmãos,mesma família, mesmo pai e mãe de todas, mesmo salvador de todas, mesmo espírito que anima a todas ... Gosto de pensar nas pessoas teologantes como Abéis e não como Cains.
Abel, vento, passagem rápida, fumaça, fraqueza, não-violência. Muita teologia, porém, se feita sob o signo das instituições acadêmicas ou eclesiásticas, tem o rosto de Caim - lança, flecha, ferro, fogo, violência. É cainita a teologia que se apossa da Verdade, fala em nome da Verdade, reprime em nome da Verdade, exclui em nome da Verdade. De uma Verdade mentirosa, com um V maiúsculo que engana, arroga para si mesma uma durabilidade e dignidade que não possui. Teologia cainita não é teologia! É doutrina, dogma, ortodoxia ... Nos Evangelhos, os demônios conhecem a ortodoxia sobre Jesus, sabem quem ele é, e por isso mesmo são silenciados.
Teologia abelina é frágil, copiando e parafraseando Mesters, é uma flor sem defesa. Não é proprietária da Verdade, mas companheira de quem busca verdades em amor, como ensinava Paulo aos efésios "verdadeirando em amor".
Fraterna é a teologia, por que sendo ação humana, não pode ocupar o lugar do Pai, do Filho, ou do Espírito. Pai que mãe de todas e todos nós; Filho que é irmã e irmão; Espírito que é a feminina face de Deus esvoaçando pelo mundo afora, fecundando a criação com a vida divina. Teologia de irmãs e irmãos é uma sadia brincadeira, um jogo alegre e entusiástico, uma disputa saudável, mas ferrenha, de gente que sempre precisa de mais amor do pai, da mãe, da tia, do tio, da irmã, do irmão ...
É fraterna a teologia, por que é de gente sedenta, e por isso mesmo não é uniforme. Mesmo gêmeos são pessoas independentes e diferentes. Sedentas de unidade, identidade, cumplicidade, mas sem abrir mão da peculiaridade, da diferença, da pluralidade. Por isso, não exclui em nome de uma ortodoxia qualquer, por melhor que seja, se é que pode existir boa ortodoxia.
Fraterna é a teologia, por que ela só se consuma na ampliação da própria fraternidade, no aumento incessante de irmãs e irmãos, no reconhecimento cada vez mais aberto e inclusivo de irmãs e irmãos que outrora desconhecíamos, mas que papai e mamãe nos apresentaram, felizes pelo reencontro.
Teologia é fraternamente crítica, pública, construtiva, desconstrutiva. A família fraterna da teologia brinca e joga com discursos.Teologia fraterna é intelectualmente exigente, eticamente desafiadora, missionalmente vocacionadora, "espiritualmente" transformadora.
Espiritualmente?
Alguém pode me explicar, afinal de contas, o que é esse tal de ser "espiritual"?
Julio

2 comentários:

  1. Kharis kai eirene

    Li embevecido a reflexão em apreço. Confesso que fiquei inquieto com algumas proposições, e isso deixou-me muito feliz. Pelo fato de eu ser incomodado pensei sem esperar concluir algo definitivamente. É teologia orante, como diria Mesters, que se faz no encontro com o numinoso (de Oto), ou do outro, como Isaías (6).

    Um abraço

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  2. De acordo com Brunner a essência da igreja neotestamentária era a comunhão do crente com Cristo, por meio da fé, e a fraternidade cristã no amor. O tom ácido da eclesiologia do teólogo dialético dirigia-se contra o “eclesiasticismo clerical”. Condenava ferreamente o clericalismo e a forma de poder e domínio advindos desta forma de governo cristão. Para o teólogo suíço, o Espírito Santo não cria cargos por meio dos quais o homem governa, mas serviços através dos quais o líder serve.

    A respeito do "ser espiritual" não seria na antropologia paulina o HOMEM OU MULHER pneumatikos, oposto ao psychikos de 1 Co 2.14,15?

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