sexta-feira, 10 de junho de 2011

Repressão Estatal - De volta!

A jovem democracia brasileira estava dando inúmeros sinais de amadurecimento nos últimos anos. Eleições em ordem, impeachment de eleitos, punição a corruptos (embora não a todos ...), diálogo do Estado com a sociedade, etc.

Entretanto, nos meses de maio e junho, atos de violenta repressão policial ocorreram contra movimentos populares, tais como a Marcha da Maconha, a ocupação de quartel do Corpo de Bombeiros no RJ, ocupação de prédios residenciais desocupados no ES,etc. Manutenção policial da ordem é um dever do Estado, sim, mas não pode se confundir com repressão violenta. Não se pode tratar manifestações democráticas - ainda que se possa questionar a eficácia e/ou a legalidade de alguns dos atos nessas manifestações - como se trata a criminosos (nem a criminosos se deveria tratar com violência, mas em um mundo real, esta acaba sendo um mal necessário). Quando o Estado reprime manifestações populares democráticas está dando um imenso passo atrás na consolidação e amadurecimento da democracia.

Democracia é um regime de governo que não nega a conflitividade social - reconhece-a e trata-a de acordo com a Lei e os princípios universais da dignidade humana. O monopólio estatal do uso legítimo da força não pode legitimar a prática da violência injustificada pelo Estado. Nossos governantes eleitos precisam aprender (ou reaprender) a lidar com a oposição popular, pois esta é uma das manifestações mais legítimas da democracia.

Democracia, mais do que forma de governo, é uma cultura de relações de poder. Uma cultura na qual governantes e governados não se relacionam com base na dominação, mas com base na justiça e na legalidade, subordinadas à liberdade e dignidade humanas.

Que não venham os crentes usar Romanos 13 para justificar a repressão violenta!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ainda a "Belíndia"

Em outras épocas se falava do Brasil como uma terra de extremos contrastes - com o bem-estar de uma Bélgica e a miséria de partes da Índia. Hoje em dia o termo "Belíndia" não faz muito sentido, até porque a Índia tem passado por importantes transformações sociais e econômicas. Todavia, o Brasil continua uma terra de contrastes imensos.

Hoje, no Bom Dia Brasil, os apresentadores da Globo conversavam sobre a "nova classe média" brasileira (também denominada, no programa, de a nova classe "c"), que está adotando os padrões de consumo da 'elite". Diziam os globais que a nova classe média compra produtos de luxo com preço alto mas em prestações bem suaves, "bem" suaves "mesmo". Produtos de luxo, é claro, adaptados aos bolsos e gostos dessa tal de nova classe média, já que os produtos de "elite" permanecem inacessíveis aos mais comuns dentre os mortais.

Deixemos de lado as imprecisões sócio-econômicas dos termos nova classe média e nova classe "c". A questão é: a partir do consumo um novo modo de contraste entre "ricos" e "pobres" se constitui em nosso país - as pessoas que gastam o que não têm para sentir o "gostinho" de ser rico e mostrar a aparência do sucesso - em contraste com a quase metade da população brasileira que continua vivendo na faixa da pobreza, só não morrendo de fome graças às políticas assistenciais do governo. Parte dessa população pobre, que conseguiu um pouquinho de ascensão sócio-econômica, ambém adota padrões de consumo das classes mais abastadas - tais como festinha de quinze anos, etc...

Eis aí a nova utopia do povo brasileiro: consumir "coisa de rico", mesmo sendo "pobre" ou "remediado". O pouco (ou muito) de ascensão sócio-econômica que se consegue não tem mais a ver com a busca de justiça social, mas com a busca de consumo, da identidade dos "bem de vida", em uma rendição incondicional aos padrões "mundanos" de vida social.

Uma teologia frágil precisa ajudar a desmontar essa utopia forte do consumismo, em busca de uma nova e frágil utopia da justiça social - sem recair nas ideologias e ideologismos do passado recente, mas, acima de tudo, sem se render à mesmice burra e desumana do consumismo: a face "benigna" do capitalismo que continua mais selvagem do que nunca.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Teologia Frágil & Pública

Com a chegada do Alessandro e do Ronaldo, nosso blog irá se concentrar cada vez mais na discussão teológica a partir da perspectiva da teologia frágil & pública.

Frágil, porque uma teologia baseada na encarnação do Filho de Deus, um ato descrito por Paulo como de auto-esvaziamento, que mostrou como a fraqueza de Deus é mais poderosa do que os poderes terrestres.

Pública, porque uma teologia que não reflete sobre os temas privados da fé cristã, mas se arrisca a refletir e discutir sobre os temas públicos da vida em sociedade. Uma teologia que ouve e fala a diversos públicos: igreja, academia, sociedade, cultura ...

Frágil, porque uma teologia situada e sitiada. Situada em localidades específicas – Vitória, Rio de Janeiro, Anápolis – espaços representativos da pluralidade brasileira. Sitiada por teologias e outros pensamentos fortes, poderosos, ortodoxos.

Pública, porque uma teologia aberta ao debate permanente, em defesa crítica da democracia que concretize os direitos das pessoas, dos animais e de toda a criação divina.

Frágil & Pública, porque dialogal, de modo que não se deve esperar unanimidade em nossas reflexões e acordos em nossas discussões. Valorizamos a diferença e a alteridade, não como fins em si mesmas, mas como condições para a individualidade não egoísta e a identidade não uniforme.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Novos Parceiros

Para melhorar o blog e ampliar a discussão, a partir de hoje temos como novo parceiro o colega e amigo Alessandro Rocha, teólogo, autor de vários livros, companheiro de uma teologia inovadora. Em breve, se juntará a nós também o Ronaldo Cavalcante, teólogo e autor. Estamos organizando o novo jeito de trabalharmos em equipe e logo postaremos novas mensagens.

Abs

sábado, 7 de maio de 2011

Uma vitória, também, do Cristianismo Autêntico

"Cristianismo Autêntico" - uso o termo de forma retórica, pois nada do que fazemos pode ser definitivamente autêntico. "Autêntico", em comparação com o que está aí, predominando, crescendo e assustando ...

Que vitória foi essa? Vitória de goleada, 10 a 0, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, contra a discriminação. Foi “também” vitória do Cristianismo, pois podemos pegar carona na vitória da democracia e do movimento de defesa dos direitos das pessoas homoafetivas. Em cinco de maio de 2011, foi reconhecida a união estável de casais não heterossexualmente constituídos. Os direitos de cidadania foram restituídos a cidadãs e cidadãos brasileiros impedidos de exercê-los em função de sua opção sexual e identidade de gênero. No julgamento, a CNBB se fez representar (de modo legal, diga-se de passagem), e defendeu a posição contrária ao reconhecimento da união estável, fundada, basicamente, na preocupação de que tal aprovação seria a base do colapso da família. Se outras denominações cristãs tivessem feito o mesmo pedido de participação no julgamento, tenho certeza de que a maioria (talvez a totalidade??) se posicionaria juntamente com a Igreja Católica Apostólica Romana.

Se é assim, como afirmar que o resultado do julgamento foi uma vitória do cristianismo autêntico? Por que:

1. O Cristianismo Autêntico não é Cristandade, ou seja, está devidamente separado de modo institucional do Estado. É claro que separação institucional não significa ausência de relação. Que a CNBB tenha se representado no julgamento é algo positivo, pois reconhecimento (ou resignação) da separação institucional. Que o Supremo não tenha aceitado as ponderações da CNBB é algo ainda mais positivo, pois tais ponderações representam um retorno ao modelo de Cristandade. Na Cristandade, é a Igreja quem dita as normas morais para toda a sociedade, e o Estado as garante mediante a força da Lei e da Polícia. Não podemos voltar a esse tempo. Se lutamos contra a "Cristandade" Islâmica, não podemos ser hipócritas e defender uma "Cristandade" Cristã. União estável é uma realidade civil, pública, e, se daí resultar a legalização do casamento de não-heterossexuais, continuará sendo uma questão de direitos civis. Casamento religioso é um ato privado - nenhuma igreja ou religião poderá ser obrigada legalmente a casar pessoas que não atendam às exigências PRIVADAS de seus estatutos legais e morais.

2. O Cristianismo Autêntico é tolerante e respeita a pluralidade moral. Nos escritos do Novo Testamento não há imposição de uma moralidade cristã a toda a sociedade. A moralidade cristã é uma questão de seguimento de Jesus Cristo e seguir a Jesus Cristo não vem do berço, nem do Estado. É uma opção de vida, ato de fé, ato de amor. Não é obrigatório, nem mandatório. "Pela graça sois salvos". Em Romanos 2 e em Mateus 25.31-40 encontramos textos que mostram: (a) que seguidores de Deus e de Jesus não têm o direito de julgar o próximo; (b) que as pessoas que buscam viver uma vida justa ("aos que, com perseverança em favor o bem, procuram glória, e honra e incorrupção"; "glória, porém, e honra e paz a todo aquele que pratica o bem, primeiramente ao judeu, e também ao grego; pois para com Deus não há acepção de pessoas." Rm 2), mesmo não estando oficialmente na comunidade de seguidores de Deus e de Jesus, recebem a vida eterna; (c) que o critério do juízo final não é doutrinário, mas prático: amor e serviço a Jesus através do amor e serviço ao necessitado (Mt 25,31ss). Apesar da dignidade tradicional do dito na história das igrejas, precisamos insistir: Fora da Igreja Há, Sim, Salvação".

3. O Cristianismo Autêntico apoia a democracia e os estados democráticos na medida em que aquela e estes defendem a justiça e possibilitam a igualdade de direitos e de situação concreta de vida. Cristãs e cristãos não apoiam cegamente a democracia ou estados democráticos. O apoio é condicionado, conforme, por exemplo, Romanos 13,1ss - quando a autoridade política faz o bem e defende quem pratica o bem, merece nosso apoio. Quando não, merece nossa denúncia - como os profetas de Israel denunciavam as autoridades de seu tempo. Garantir a igualdade de direitos a todos os cidadãos e cidadãs é um ato democrático no sentido mais digno do termo. Não podemos defender a igualdade de direitos para pobres, negros, mulheres, indígenas, idosos, crianças, portadores de deficiências, etc. e, ao mesmo tempo, negar a igualdade de direitos a pessoas que, por opção sexual ou identidade de gênero, se diferenciam das identidades éticas religiosas da maioria da população. O conceito cristão de pecado não pode ser usado como base para atos discriminatórios.

4. Vitória do Cristianismo Autêntico porque a decisão do STF obrigará instituições, comunidades e indivíduos cristãos a refletir sobre seu lugar e papel na democracia. Obrigará o Estado e a sociedade brasileira a refletir sobre a relação entre pluralidade moral e maioria cristã da população. Obrigará estado, sociedade e igrejas a revisar a questão da laicidade do estado e da separação institucional Religião-Estado. Neste terreno, há muito que fazer ainda no Brasil - há várias práticas não-democráticas ainda em vigor, que necessitam ser revogadas e renormatizadas.

5. Vitória do Cristianismo Autêntico porque a decisão obrigará as igrejas cristãs a estudar e a reaprender a anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo. O anúncio de Cristo é boa-nova para todas as pessoas, porque todos nós somos pecadores, e nenhum pecador é mais pecador do que outro; nenhuma pecadora é merecedora de mais castigo do que outra pecadora - por isso, se somos todos iguais perante Deus, nenhum(a) de nós cristã(o)s pode ser merecedor de direitos de cidadania que sejam negados a não-cristãos ou a cristãos de minorias religiosas. "Só Jesus Cristo salva" tem o mesmo valor e impacto para todas as pessoas, independentemente de raça, cor, credo, opção sexual, identidade de gênero, classe social, persuasão política, etc. O convite ao seguimento autêntico de Jesus Cristo interpela todas as pessoas igualmente, com a mesma exigência de radical entrega de si a Deus e a seu projeto de vida amorosa e justa. Precisamos matar a mesmice hipócrita e banal a que foi reduzido o cristianismo, precisamos reinventar o discipulado, radicalmente, desde as raízes até os frutos. Precisamos aprender que seguir a Jesus não se esgota, nem se confina em fazer parte da membresia de igrejas. Seguir a Jesus se manifesta em vidas que tornam concretos e práticos os valores do Messias que deu a vida por toda a humanidade ...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Obrigado!

De vez em quando dou uma olhada no número de co-blogueirantes - e ele está crescendo. Aos novos e novas companheiros e companheiras de blogagem, meu muito obrigado e boas-vindas. Aos antigos e antigas que não desistiram, muito obrigado. Gente, o blog é nosso ... podem comentar, palpitar, reclamar ...

Abs

Igreja: Meio, não Fim

Estou de volta ao blog. Já expliquei as razões da ausência prolongada, e acrescento mais duas: passei a semana em São Paulo - no Congresso da ANPTCRE (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências das Religiões) e no lançamento de dois livros: A Bíblia sob Três Olhares (escrito a seis mãos, com João Leonel e Paulo Nogueira) e Para uma Teologia Pública (escrito a duas mãos), ambos pela Fonte Editorial de São Paulo.

Dentre as atividades do Congresso (onde apresentei um pequeno texto sobre Hermenêutica em Tom Pós-Metafísico), contatos institucionais e lançamento, aproveitei para conversar com colegas, ex-alunos, que estão no ministério pastoral e educacional em São Paulo. Em meio às conversas, apesar do esforço em manter os assuntos no ambiente mais coloquial possível, não conseguimos evitar tocar em temas teológicos e pastorais. Duas questões que discutimos me motivaram a escrever estas mal-traçadas linhas (essa é lá dos tempos do baú ...)

Vivemos em um período pós-denominacional, ou seja, pós-institucionalidade denominacional das igrejas cristãs. Há tempos as instituições denominacionais se tornaram fins em si mesmas, desligadas irremediavelmente da vida das comunidades cristãs, dos anseios e necessidades das comunidades e das pessoas concretas que delas participam, as sustentam e são sua razão de ser. As instituições eclesiásticas cristãs são monstrengos que, apesar da roupagem moderna do Protestantismo, mantêm os mesmos defeitos e limitações das anteriores formas de institucionalização do cristianismo nas igrejas territoriais ou paroquiais. Sei que este tipo de crítica não é novo. Por exemplo: "Deixei o Brasil há dezessete anos. Desde então o questionamento crítico ao qual fui levado pelos acontecimentos no Brasil ainda não cessou. Meu pensamento inicial quanto à obstinação - e o potencial demoníaco - das instituições religiosas, levaram-me a perder toda a confiança nelas". (Richard Shaull, citado em FERREIRA, Valdinei. Protestantismo e Modernidade. São Paulo: Reflexão, 2010, p. 226.) Shaull se referia aos anos de chumbo da ditadura militar pós-1964. Hoje vivemos em tempos democráticos, mas as Instituições Eclesiásticas ainda insistem em defender posicionamentos arcaicos de Cristandade diante das transformações sociais e suas consequências legais e culturais. O crescimento acelerado do pentecostalismo e do neo-pentecostalismo (que prefiro chamar de protestantismo neo-liberal) afetou todas as instituições cristãs no Brasil que, cada vez mais, recrudescem a luta pela identidade - e por identidade infelizmente se entende a forma identitária velha, desgastada, irrelevante, demoníaca (para usar o termo de Shaull).

Mas, e aí veio a segunda questão: o problema da institucionalização na forma de Cristandade não está mais restrito à grande organização denominacional. Tomou corpo e forma nas próprias comunidades locais. Se já criticávamos nas últimas décadas do século passado o caráter de programas e festividades das atividades de igrejas locais, voltadas a si mesmas e não à missão, hoje a crítica precisa ser ainda mais contundente. As comunidades locais sucumbiram ao apelo demoníaco do crescimento numérico de recursos - financeiros, patrimoniais e humanos - e notem: quando fazemos de seres humanos meros "recursos", apoiamos a desumanização capitalista da pessoa e de toda a criação divina. Pessoas (e as demais criaturas de Deus) não são "recursos", são pessoas - dignas de amor, amizade, companheirismo, justiça, responsabilidade ética, etc. Na velha, mas não desgastada, linguagem da teologia latino-americana da integralidade da missão: igrejas são agências do Reino de Deus. Hoje, porém, tornaram-se agências "bancárias", do reino de Mamon, promotoras da expansão da ideologia gerencial da captação e acumulação de recursos, com vistas à acumulação de prestígio, influência e exercício de poder dominador.

Essas duas questões nos levaram, enfim, a conversar sobre a educação teológica, mas não vou tocar nesse tema agora. Volto à temática das comunidades diante da institucionalização. Precisamos, hoje em dia, mais ainda do que no final do século passado, de uma eclesiogênese (BOFF, Leonardo. Eclesiogênese: a reinvenção da igreja.Record, 2008 - reedição de texto de 1977). Ou seja, precisamos deixar que o Espírito engravide nossas comunidades com a sua semente de vida em amor e justiça. Precisamos reinventar, na novidade do Espírito, o jeito de ser comunidade cristã - assim como as CEBs foram uma linda tentativa de se abrir à novidade do Espírito. Que pistas o Espírito tem nos deixado para percebermos a sua força gestacional?

Comunidades geradas pelo materno Espírito de Deus são comunidades de companheirismo entre irmãs e irmãos - soror-fratern-idades. São comunidades de serviço às pessoas que dela participam, mas, principalmente, de serviço às pessoas que sofrem no mundo capitalista demoníaco, especialmente persente nas grandes cidades, metrópoles e megalópoles. São comunidades que se renovam nas formas de convivência, de organização e de ação. São comunidades que priorizam a missão, e não a expansão; o amor a Deus através do amor ao próximo, acima do "amor à igreja". São comunidades de estudo da Bíblia e dos mundos em que vivemos: o mundo social, o cultural, o existencial, o natural ... Em linguagem da Bíblia, são comunidades que se alegram com os que se alegram, choram com os que choram, andam a segunda milha, dão a outra face, andam por onde Jesus andou.

É tempo de uma nova reforma? Não, é tempo de eclesiogênese, começar de novo, reinventar o cristianismo - pois não adianta reformar o que não tem conserto.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Escrevendo e falando demais ...

Estive ausente do blog. Não estive doente, não desisti, nem morri. Só estava trabalhando para cumprir prazos e compromissos. Nestas últimas semanas finalizei três livros de ensaios, escrevi quatro "comunicações" acadêmicas para quatro eventos distintos em Vitória (dois deles) e em São Luís-MA (outros dois), e quase terminei um quarto livro ...

Quando eu recuperar o fôlego, blogarei de novo ...

abs

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Fé e Egoísmo

Tento, sempre que possível, prestar atenção a sermões de pastores(as) evangélicos(as). Na maior parte das vezes não é fácil, pois a oratória não é das mais atraentes e o conteúdo é bastante monótono. Mas, por dever de ofício, me esforço. Vou tentar resumir o que consegui captar ao longo do ano de 2010...

1. A fé é um meio individual de resolução de problemas. Seja qual for o “seu” problema, basta ter fé, que o mesmo desaparecerá. Se não desaparecer, é porque você não tem fé suficiente! Pregada, pensada e praticada desta maneira, a fé se torna um pobre e inadequado substituto para a razão. A racionalidade é a capacidade humana de resolver problemas, sejam de que tipo forem. Para alguns tipos, usamos a racionalidade científica; para outros, a racionalidade moral ou normativa; para outros, a racionalidade expressiva (que tem a ver com os afetos, ou com o que se convencionou chamar de inteligência emocional). A grande dificuldade para lidar com este conceito de fé nas igrejas cristãs é que ele parece ter base bíblica, do tipo “tudo o que pedires, crendo, recebereis”.

2. A fé é um meio individual de progresso econômico. Este é o conteúdo monótono de praticamente todos os sermões que ouvi e/ou li. Se você crer em Deus, sua vida financeira se tornará um paraíso. Se no primeiro caso o problema está na definição da fé, neste caso o problema está no objeto da fé. Esta fé se dirige a Deus, mas um deus com nome bem definido. Na Bíblia, por exemplo, o nome é Mamon (o deus-dinheiro); hoje em dia o nome pode ser Prosperidade; Fortuna; Sucesso, etc. O grande problema é que são ídolos e não deuses. Ídolos, conforme a velha definição do livro de Isaías: “o que é feito por mãos humanas”. No final das contas, então, a fé é fé no próprio ser humano, mas desvestida dos valores do humanismo.

3. Somando 1 + 2, temos a identificação da fé com o egoísmo. O egoísmo é a ideologia da supremacia do indivíduo, é outro nome para o individualismo. Fé egoísta é religião sem deus, ideologia sem humanismo, razão sem competência. Para enfrentar essa fé anti-cristã, temos de atuar em três frentes distintas: (a) denunciar insistentemente a traição ao Evangelho na pregação e no culto das igrejas ditas cristãs; (b) denunciar insistentemente a traição à democracia no modelo escolar capenga e incompetente que não nos permite crescer como pessoas racionalmente competentes; (c) denunciar insistentemente e impiedosamente o Mercado capitalista como o grande ídolo de nossos tempos, o assassino mais cruel que a humanidade já foi capaz de inventar. E só conseguiremos atuar nessas três frentes se deixarmos de ser individualistas, se deixarmos de ser resignados, se apostarmos que “outro mundo é possível” – qualquer que seja a nossa ideologia ou a nossa religião.

quinta-feira, 3 de março de 2011

O ponto de partida da religião

Os estudiosos das religiões e religiosidade humana têm oferecido várias explicações da origem da religião na vida humana. Durante a Modernidade, de um modo geral, as explicações acentuavam alguma fragilidade humana – medo da morte, ignorância do funcionamento da natureza, alienação política, dependência psíquica, etc. Até hoje é muito comum explicar a religião a partir da necessidade do indivíduo suprir alguma carência real ou sentida. Essas explicações não são de todo inadequadas. Todavia, não são completas. É possível perceber o ponto de partida da religião na relacionalidade humana, na intersubjetividade – focando a religião, então, de modo mais positivo, criativo.

Para fazer isso, vou apresentar parte dos escritos de um filósofo ítalo-norte-americano, John Caputo, nosso contemporâneo, que faz uma reflexão pós-moderna sobre a religião. O texto que segue tem uma linguagem mais técnica, então, se você não é muito afeito à terminologia técnica da teologia e filosofia, preste mais atenção ao projeto geral de Caputo: religião é solidariedade, religião é busca de autonomia e liberdade...

Não é possível, segundo Caputo, compreender a religiosidade humana se o lugar a partir do qual a estudamos não for o das orações e lágrimas. Isto não quer dizer que pessoas não-religiosas sejam incapazes de compreender a religião, mas, sim, que o próprio conceito moderno de “religião” é um empecilho à compreensão do fenômeno religioso. Religião é um conceito moderno, racional, construído mediante um radical binarismo que contrapôs fé e razão, filosofia e religião como pólos antagônicos no espaço da Verdade. A religião é concebida na Modernidade como uma falta, um resquício do mundo pré-moderno e, por isso, na melhor das hipóteses infra-racional, para não dizer irracional.
Os filósofos modernos, climaticamente no Iluminismo, conceberam a religião como uma esfera separada da existência humana e projetaram tal compreensão para as crenças e práticas cristãs da Europa pré-moderna. Tal maquinaria conceitual lhe impediu de enxergar adequadamente o fenômeno religioso, tomado exclusivamente como uma atitude dogmática, pré-racional ou mesmo irracional, antagônica à razão, às ciências e à filosofia. A religião foi extirpada do que lhe é próprio – a experiência humana da busca – e reduzida à moralidade, ou a um desvio da libido, ou a consciência alienada.
Retornando a Agostinho e Anselmo, Caputo nota que a experiência pré-moderna da religião cristã não pode ser concebida como uma esfera particular da experiência humana. A religião impregnava a mentalidade, a cosmovisão européia pré-moderna de tal modo que o adjetivo “religioso” não se referia a pessoas que “tinham” religião, mas ao grau de compromisso da pessoa com a religião – o que chamaríamos hoje de religiosidade ou de espiritualidade. Ninguém conceberia religião como uma esfera particular da vida, mas como o próprio ambiente da vida humana. Não se poderia conceber Deus como objeto de dúvida, mas apenas como sujeito de busca (ou não). Tanto Agostinho como Anselmo falam da busca de Deus nos termos de um círculo, no qual Deus já é concebido como existente, soberano, digno de honra e adoração. O Deus conhecido é o Deus a quem se busca, o Deus que se deseja conhecer mais e melhor.
O “coração inquieto” de Agostinho e a “fé que busca conhecimento” de Anselmo, por outro lado, não podem ser entendidos se lidos a partir da concepção moderna de sujeito – um sujeito racional, centrado, auto-consciente, realizador. Só podem ser adequadamente compreendidos se lidos a partir da noção pré-moderna de sujeito como uma criatura, imperfeita, como que incompleta, fragmentada, angustiosamente crente, permanentemente buscando o Deus que já encontrou. Um Deus que não está “lá fora”, desconhecido, mas que participa da própria busca, que está “aqui dentro”, no coração desassossegado, na mente inquieta, no corpo sofredor e criativo. O sujeito moderno, “que busca autonomia”, que abandonou a fé como caminho da compreensão, criou uma barreira intelectual entre si e o sujeito pré-moderno, “que busca conhecimento (de Deus)” encontra sua autonomia na relação com o próprio Deus, na própria heteronomia.
Não! Caputo não é ingênuo, nem pretende um retorno aos tempos pré-modernos. Ele sabe que as instituições religiosas dominantes desempenharam um papel nefasto no confronto com a razão em busca de autonomia. Não desconhece o suplício de Galileu. Não desconhece o martírio dos hereges. Sabe que a religião pode ser instrumento de poder, de negação do humano, de subordinação ao despotismo, de obscurantismo. Sabe, porém, e melhor, que “religião” não existe. Existem pessoas e instituições praticantes de religião, que podem fazer dela o contrário do que a religião promete. Sabe que os tribunais da Inquisição foram, com razão, substituídos pelo transcendente Tribunal da Razão somente. Por isso também sabe que de tribunal em tribunal, a religiosidade humana, a espiritualidade, o próprio Deus, são meros réus, pobres suplicantes sem advogado capaz de defendê-los da acusação soberana que lhe paira sobre a cabeça.
Não! Não é possível compreender a religião sem orações e lágrimas. Lágrimas compassivas de quem escuta o clamor das pessoas que sofrem, das vítimas do mundo civilizado, organizado, estruturado, cujas instituições desumanizam sob o pretexto de humanizar. Lágrimas de quem escuta o seu próprio clamor, pessoa imperfeita, incompleta, auto-cindida. Lágrimas intensamente passionais, e igualmente densas de intensidade racional. Lágrimas que fecundam o árido solo da oração, visto que quem ora o faz porque experimenta a ausência de seu deus, a não-presença de seu horizonte de sentido, a angústia da certeza incerta da fé. Religião não é questão de verdade ou falsidade. É questão de relacionamento, de intimidade, de fidelidade ou infidelidade, distanciamento, inimizade ou solidariedade. Não se pode compreender a religião se dela abstrairmos os corpos vivos, patéticos, intersubjetivos, corpos que permanentemente tentam se transcender na mente, na cultura, nas artes, no trabalho, na política, no lazer, no amor, na religião...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Teologia e Cidadania - Para Pensar!

STJ - O Tribunal da Cidadania

Segunda Seção decidirá possibilidade de união estável para casal homossexual (atualizada)
20/02/2011

Está previsto para a próxima quarta-feira (23) o julgamento de um caso em que se discute a possibilidade de reconhecimento de união estável a um casal de homossexuais do Rio Grande do Sul. O processo é relatado pela ministra Nancy Andrighi e será julgado na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O processo foi submetido à Seção em razão da relevância do tema, por decisão dos ministros da Terceira Turma. A Seção é composta pelos dez ministros responsáveis pelos julgamentos de casos relativos a Direito de Família e Direito Privado, reunindo a Terceira e a Quarta Turma do Tribunal. Quando se adota esse procedimento, de “afetar” o processo ao colegiado maior, a intenção dos ministros é uniformizar de forma mais rápida o entendimento das Turmas ou, até mesmo, rever uma jurisprudência consolidada.

O homem que propôs a ação afirma ter vivido em “união estável” com o parceiro entre 1993 e 2004, período em que foram adquiridos diversos bens móveis e imóveis, sempre em nome do companheiro. Com o fim do relacionamento, o autor pediu a partilha do patrimônio e a fixação de alimentos, esta última em razão da dependência econômica existente enquanto na constância da união.

O juiz inicial, da Vara de Família, entendeu procedente o pedido. O magistrado reconheceu a união estável e determinou a partilha dos bens adquiridos durante a convivência, além de fixar alimentos no valor de R$ 1 mil até a efetivação da divisão. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), porém, afastou a obrigação de pagar alimentos, mas manteve a sentença quanto ao restante.

Para o TJRS, os alimentos não seriam cabíveis, em razão da pouca idade do autor e sua aptidão para o trabalho. Mas o tribunal local não negou a competência da Vara de Família para o caso, a qual efetivamente reconheceu a existência de união estável, e não de sociedade de fato, na convivência por mais de dez anos do casal homossexual.


Família efetiva

O TJRS entendeu que “a união homoafetiva é fato social que se perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal, impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.

“Diante da prova contida nos autos, mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, já que entre os litigantes existiu por mais de dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera consequência”, concluiu a decisão do TJRS.

O parceiro obrigado a dividir seus bens alega, no STJ, que a decisão da Justiça gaúcha viola artigos dos códigos civis de 1916 e 2002, além da Lei n. 9.278/1996. Esses artigos se referem, todos, de algum modo, à união estável como união entre um homem e uma mulher, ou às regras da sociedade de fato.

O pedido é para que seja declarada a incompetência da Vara de Família para o caso e para que apenas os bens adquiridos na constância da união sejam partilhados, conforme demonstrada a contribuição efetiva de cada parceiro.

Presunção de esforço

Na Terceira Turma, outro processo em andamento pode afirmar a presunção de esforço comum na construção do patrimônio em uniões afetivas. Para a ministra Nancy Andrighi, reconhecer proteção patrimonial similar à do Direito de Família em uniões homoafetivas atende ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e promove dois objetivos fundamentais da República: a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

O voto da relatora afirma que, na falta de lei específica, o Judiciário não pode ser omisso. Por isso, a analogia deve ser aplicada no caso concreto. O entendimento foi parcialmente seguido pelo ministro Massami Uyeda. Após pedido de vista, o ministro Sidnei Beneti votou contra a presunção de esforço. O julgamento está interrompido por novo pedido de vista, do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Além de seu voto, falta o do desembargador convocado Vasco Della Giustina.

Sociedade de fato

Em dezembro, a mesma Terceira Turma decidiu dois casos similares, em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu do entendimento da Justiça gaúcha. Os recursos foram providos pela Turma. Em ambos, um dos parceiros havia falecido e se discutia a sucessão dos bens.

Naquela ocasião, os ministros aplicaram a jurisprudência do STJ, estabelecida em 1998 (Resp 148.897), que exige a comprovação de que os bens adquiridos durante a convivência tiveram origem em esforço comum dos companheiros. Segundo esse entendimento, feita a prova da contribuição de cada parceiro na construção do patrimônio comum, pode ser feita a partilha, na proporção do esforço individual. Para essa linha de pensamento, aplica-se a regra da sociedade de fato às uniões homoafetivas.

Esses casos pertenceriam, portanto, ao Direito das Obrigações, e não ao Direito de Família. “A repartição dos bens, sob tal premissa, deve acontecer na proporção da contribuição pessoal, direta e efetiva de cada um dos integrantes de dita sociedade”, explicou, em seu voto, o desembargador convocado Vasco Della Giustina. As ações foram devolvidas ao TJRS para novo julgamento, com observação das regras definidas pelo STJ.

Lacuna legal

Já em 2008, no julgamento do Resp 820.475, o STJ permitiu o seguimento de uma ação de declaração de união estável entre homossexuais. Por maioria, a Quarta Turma, em voto de desempate do ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a lei não proíbe de forma taxativa a união homoafetiva.

Como o julgador não pode alegar a ausência de previsão legal para deixar de decidir um caso submetido ao Judiciário, a Turma entendeu válida, em tese, a adoção da técnica de integração por meio da analogia. Assim, ao aplicar a lei, o juiz poderia fazê-la abranger casos não expressamente previstos, mas que, na essência, coincidissem com os abordados pelo legislador.

Nesse processo, os parceiros buscavam o reconhecimento de união estável na convivência por mais de 20 anos. Chegaram a se casar no exterior. Mas a Justiça do Rio de Janeiro extinguiu a ação, por entender ser impossível juridicamente a união estável homossexual.

A análise naquele julgamento se fixou na questão processual da viabilidade da própria ação. Os ministros não discutiram o mérito do direito dos autores, isto é, a possibilidade efetiva de união estável entre parceiros homoafetivos, como ocorrerá agora.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu, alegando violação à Constituição, mas o STJ não acolheu os argumentos. Outro recurso, apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão desde maio de 2010 (AI 794.588).

No entanto, em abril de 2010, ao julgar outro recurso (Resp 889.852) a Quarta Turma pacificou o entendimento de que as uniões homoafetivas merecem tratamento idêntico ao conferido às uniões estáveis. Na hipótese, os ministros permitiram que o nome da companheira de uma homossexual que havia adotado dois irmãos constasse também dos registros das crianças, sem a especificação da condição paterna ou materna.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, observou os fortes vínculos afetivos entre as adotantes e as crianças e concluiu que a situação estava consolidada. “ O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da ‘realidade’, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que elas, solidariamente, compete a responsabilidade”, afirmou.

Na ocasião do julgamento, o ministro Aldir Passarinho Júnior destacou que a jurisprudência do STJ vem fortalecendo esta compreensão. Para ele, o Tribunal vem caminhando no sentido de que é necessária maior proteção aos menores adotandos, “que estão muito bem assistidos pelo casal em questão”.


Vanguarda

Em outros temas, o STJ já se posicionou na vanguarda jurisprudencial. No Resp 395.904, a Sexta Turma entendeu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) deviam pensão ao companheiro do segurado falecido. O relacionamento durou 18 anos.

O STF ainda não decidiu o recurso contra essa decisão, que já conta com parecer favorável do MPF ao pensionista (RE 495.295). Para o INSS, o beneficiário não seria dependente do segurado, o que impediria o pagamento. O processo deu entrada no Supremo em 2006.

Segundo o voto do ministro falecido Hélio Quaglia, a legislação previdenciária não pretendeu excluir o conceito de união estável da relação homoafetiva. A Constituição, no campo previdenciário, não teria feito essa exclusão (artigo 201, inciso V). Diante da lacuna legal, o próprio INSS teria editado norma regulamentando os procedimentos para concessão de benefícios a parceiros homossexuais.

Em outra decisão, o STJ permitiu a inscrição do companheiro homossexual em plano de saúde (Resp 238.715). Em seu voto, o ministro aposentado Humberto Gomes de Barros afirmou: “O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana”. Por isso, a relação homoafetiva geraria direitos analógicos aos da união estável.

Nesse caso, os parceiros viviam juntos há sete anos e eram portadores de HIV. O pedido tratava expressamente de união estável, que permitiria a inclusão no plano de assistência médica empresarial. A Justiça gaúcha recusou a declaração de união estável, mas garantiu a inscrição no plano, o que foi mantido pelo STJ. O caso também está pendente de julgamento no STF desde 2006, com parecer do MPF pela manutenção da decisão do STJ (RE 515.872).

Adoção

Em agosto de 2010, o STJ garantiu, novamente, a um casal homossexual feminino a adoção de dois irmãos biológicos. Uma das parceiras já havia adotado as crianças desde o nascimento, e a companheira pediu na Justiça seu ingresso na adoção, com inserção do sobrenome nos filhos. Essa decisão está sendo questionada pelo Ministério Público gaúcho no STF, cujo processo deu entrada em outubro (RE 631.805).

O Judiciário gaúcho atendeu o pedido inicial, determinando a inserção da companheira no registro, sem menção específica das palavras “pai” ou “mãe” ou da condição materna ou paterna dos avós. No entender do TJRS, “os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores”.

“É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”, asseverou o tribunal local.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu da decisão, mas o STJ afirmou a prevalência da solução que melhor atendesse aos interesses das crianças. O processo listou diversos estudos científicos sobre o tema indicando a inexistência de inconvenientes na adoção das crianças por casal homossexual. Segundo os estudos, o fundamental é a qualidade do vínculo e do afeto do meio em que serão incluídas as crianças.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, “em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal”.

“A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, de desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade”, completou.

Lei e jurisprudência

O ministro João Otávio de Noronha, ao votar nesse processo, respondeu à crítica recorrente de que o Judiciário nacional tem legislado sobre o Direito de Família: “Toda construção de direito familiar no Brasil foi pretoriana. A lei sempre veio a posteriori. Com o concubinato foi assim, com a união estável foi assim”, lembrou.

“No caso, é preciso chamar a atenção para o seguinte: a lei não proíbe, ela garante o direito tanto entre os homoafetivos, como entre os héteros [heterossexuais]. Apenas lhes assegura um direito, não há vedação. Não há nenhum dispositivo que proíba, até porque uma pessoa solteira pode adotar. Então, não estamos aqui violando nenhuma disposição legal, mas construindo em um espaço, em um vácuo a ser preenchido ante a ausência de norma, daí a força criadora da jurisprudência. É exatamente nesse espaço que estamos atuando”, concluiu.

Processos: Resp 704803; Resp 633713; Resp 820475; Resp 148897; Resp 889852

©1996 - 2011 - Superior Tribunal de Justiça. Todos os direitos reservados. Reprodução permitida se citada a fonte
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=100836

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Vidas Medíocres

Medíocre é uma daquelas palavras que podem ser usadas com sentidos contraditórios. Nos dicionários, medíocre é definido como "mediano" (e demais adjetivos), mas também como "que está abaixo da média". Aprendi, no Houaiss, que em Portugal a palavra medíocre é usada como medida de avaliação escolar: "grau de avaliação acadêmica, entre mau e suficiente". Quero aproveitar esse jogo de usos e sentidos, de modo que neste post, medíocre pode significar mediano ou abaixo da média, e fica por sua conta e risco distinguir tais usos.

Tenho prestado atenção em estudantes de teologia, pastores e pastoras, líderes religiosos e gentes semelhantes (pessoas que exercem profissões que influenciam outras pessoas). Para meu desalento, constato que a mediocridade se tornou o padrão aceitável para a maioria delas. No caso de estudantes o que se deseja é fazer o mínimo necessário "para passar"; no caso de pastores, o mínimo necessário "para não perder a igreja"; etc., etc.

Uma das razões mais frequentes que ouço para justificar a vida medíocre é a do "tempo" - a vida está muito corrida, a gente tem tanta coisa para fazer, o tempo voa ... Assim, enquanto em outros tempos se lia um livro de trezentas páginas (só para efeitos de comparação), agora se lê um de "bolso" com umas cem páginas e olhe lá ... Enquanto se lia textos densos, desafiadores, complexos, agora se pede a escritores que escrevam textos simples, fáceis de ler, "ou, então, as pessoas não vão comprar seu livro" ...

Lembro-me de um tempo em que um sermão durava quarenta minutos e o povo da igreja ficava atento, tentando aprender, se questionando sobre o conteúdo pregado. Hoje em dia, sermão tem de ser curtinho, para ter mais "tempo" para o louvor. "Louvor" - que desilusão - esta palavra agora se refere a um "tempão" no culto em que se fica cantando letras sem pé nem cabeça, mas que fazem nossos pés balançarem e nossos cérebros se desligarem, transes evangélicos pseudo-catárticos ...

Escrevi minha dissertação de mestrado em uma época em que duzentas páginas indicavam um trabalho com bom potencial, enquanto hoje em dia as melhores escolas já pedem no máximo umas cento e vinte - afinal de contas, "ninguém mais tem tempo para ler tanta coisa" ... Menos páginas, menos bibliografia (efetivamente consultada e utilizada), menos qualidade, menos talento ...

Só dei exemplos do mundo escolar e paroquial, mas a mediocridade está correndo solta por aí: no futebol (lembram-se do tempo em que um jogo de futebol não servia como sonífero?), na música (lembra-se do tempo em que as músicas e letras tinham "qualidade" e "talento"?), no trânsito (graças a deus não tenho mais carro e não vou morrer de stress no volante), nos restaurantes (até as lojas de fast-food já não vendem mais "food", nem atendem "fast"), e a programação da TV aberta? e as twitadas? e os blogues???

"Mediocridade de mediocridades, tudo é mediocridade", para parafrasear um antigo filósofo judeu, de apelido Qohelet.

"Uma vida medíocre não é digna de ser vivida", para parafrasear outro filósofo antigo, desta vez um grego, Sócrates (que nunca jogou futebol, nem era chegado a uma brahminha no boteco da esquina :) nada contra o talento do dr. Sócrates, mas ele jogava bola em outra época, na qual dentro de campo os medíocres eram obrigados a aplaudir os craques).

E para concluir, e para você não dizer que não falei em parceria, a vida medíocre é a vida do contrato - só se faz o que está regrado, regulamentado, normalizado e sacramentado. Por isso, continuo apostando na parceria com O Impossível, sempre fugindo da mediocridade "que assola o país".

Cá entre nós, que post mediocrezinho, né?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Contrato com O Possível

Desde os venerandos textos de Aristóteles costuma-se dizer que a política é a “arte do possível”. Teóricos políticos muito distintos uns dos outros usam essa mesma definição, pelo menos como ponto de partida, em seus estudos políticos. Vou aproveitá-la para traçar um contraste entre a Parceria com O Impossível & o Contrato com O Possível.

No mundo político, O Possível é quem dita as regras. Há uma distância infinita entre o dever-fazer e o poder-fazer (claro que esta distância é ampliada ou diminuída pelo querer-fazer, embora, na prática, o querer-fazer comumente faça a distância continuar infinita). Todos os governantes e todas as governantes, após campanhas eleitorais em que defendem as mais belas utopias e defendam as bandeiras mais populares, assumem o trono (ou a poltrona) e já se esquecem da retórica eleitoral (e/ou eleitoreira). Sentado no trono, o governante assina um contrato virtual, inegociável e imutável, com O Possível. Exemplos:

(a) o salário mínimo no Brasil, para cumprir o texto constitucional, deveria ser maior do que R$2.000,00 (dois mil reais), segundo estimativas do DIEESE. Dona Dilma e seu governo trabalharão para que ele não passe de R$545,00 – pois esse é o valor Possível. Infinita distância entre o dever constitucional e o poder econômico, mediada pelo querer estatal;
(b) as chamadas agências reguladoras deveriam fazer valer o direito e os direitos dos consumidores – mas tente acionar a ANATEL ou a INFRAERO ou qualquer outra dessas agências quando seus direitos forem violados pelas empresas gigantescas que prestam seus maravilhosos serviços à população – dever não é poder;
(c) o salário dos congressistas aumentou 60% (sessenta por cento), da noite para o dia, ou melhor, na calada da noite legislativa, enquanto o dos trabalhadores não aumenta mais do que 10% (dez por cento). Neste caso, querer é poder e se transforma em dever. Ou seja, o contrato com O Possível torna inviável realizar o dever, mas possibilita que o não-dever se transforme em dever – e este travestido direito não está infinitamente distante do poder-fazer.

Poderia multiplicar os exemplos, mas não quero enfadar-me nem enfadá-lo. O problema do contrato com O Possível é que ele serve apenas para manter o status quo, para dourar a pílula dos excluídos e empobrecidos, para encantar os eleitores com os sonhos natimortos dos candidatos compactuados com O Possível.

O Possível é ídolo. O grande Ídolo. O maior de todos os ídolos. A ele se curvam todos os poderosos, pois O Possível recompensa seus adoradores com O Poder. O poder-fazer o que querem-fazer, desde que o querer-fazer não seja compatível com o dever-fazer, desde que o fazer do Possível não seja atrapalhado pela virtude.

O contrato com O Possível é morte certa. A parceria com O Impossível é vida plenificável. Pesados na balança, será possível que O Possível vença sempre?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Parceria com O Impossível

“De novo? Não vai mudar de assunto? Esse negócio de parceria já está ficando um pouco chato repetitivo ...”. Peço perdão, mas a repetição, ainda que meio chata, ajuda a gente fazer duas coisas importantes: (a) firmar a memória – em uma época de tanta informação e tão pouco conhecimento, lembrar de que se trata quando falamos de algo, é fundamental; (b) inovar, experimentar, buscar novas descrições das velhas idéias, histórias ou discussões. Tendo oferecido minha auto-justificação, aí vai a repetinovação.

Fé, relação com Deus, tem tudo a ver com parceria. Mais; é parceria. Ser uma pessoa religiosa é ser uma pessoa parceira. Parceria, porque esta se define pela não-solidão, pelo não-individualismo; pelo companheirismo, pelo estar-com, pelo viver-para alguém que não eu mesmo, um outro, ou uma outra, ou quaisquer outras formas gramaticais de gênero que se tornem possíveis.

Parceria com O Impossível. O Impossível é outro nome de Deus. Deus faz as coisas impossíveis – esta frase se repete na Escritura, de variadas formas. Frase que está na boca de muita gente frequentadora de templos e outros espaços sagrados. Que será, porém, que dizemos quando afirmamos crer em O Impossível?

Para mim, não tem nada (ou quase nada?) a ver com o que costumeiramente ouvimos ou lemos. Não se trata de curar a dor de barriga, resolver o joanete, dar um jeito no casamento, aliviar a depressão, ganhar um dinheirão, progredir na vida, etc. Tais coisas pertencem ao mundo do possível. São coisas que dependem de nós, da cidadania, da alimentação, da previdência, da sorte. Não têm nada a ver com O Impossível.

Não tem nada (ou quase nada?) a ver com o aumento da arrecadação (de dízimos ou de impostos), nem com o crescimento da Igreja, muito menos com o decréscimo do paganismo, ou com a derrocada das religiões rivais, ou toda uma gama de coisas que encanta pastores, padres e fiéis, sejam quais forem os nomes que assumem tais agentes do sagrado nas religiões que disputam ferrenhamente o coração dos crentes – me desculpem: o bolso dos clientes!

O Impossível tem a ver exatamente com o impossível. O Impossível é aquela divindade que torna possível o impossível, que torna possível a virgem dar à luz, que torna possível o morto ressuscitar e não morrer mais, que torna possível o Império desmoronar, que torna possível às prostitutas e pecadores precederem os fariseus e santos no Reino dos Céus. O Impossível é a divindade que torna possível sairmos da esfera do Possível idolátrico, que nos ajuda a enxergar a banalidade (extremamente importante, mas banal) do Possível, nos ajuda a enxergar o que devemos fazer por nossa própria conta e risco, junto com as outras pessoas que cuidam do Possível.

E mais! O Impossível é aquele que nos carrega em suas asas para o espaço celestial do Impossível, da Impossibilidade possível, da Vida que transcende o tempo presente e o futuro viável, que cancela o passado e todas as suas forças repressoras, depressivas, neurotizantes, psicopatológicas.

O Impossível é a divindade que nos torna semelhantes a si mesma. Não iguais, mas semelhantes. Nós continuamos sendo gente do possível, mas libertada do Possível, para viver o Impossível, com O Impossível. O Impossível realiza em quem conviver com ele, o Impossível: amar impossivelmente a Deus acima de todas as coisas possíveis – amando todas as pessoas impossíveis de ser amadas pela gente do Possível.

Será possível?

Acabou a moleza!

Pois é companheiras e companheiros! Férias sempre duram menos do que a gente gostaria e, para variar, as minhas acabaram ... O companheiro Lula já entrou em gozo permanente de férias e a companheira Dilma vai carregar o piano ...

Voltei a trabalhar em 17 de janeiro, para cuidar do Processo Seletivo do Mestrado da Unida, com as aulas iniciando no dia 24. Formamos a turma e ficou muita gente na lista de espera!

Tentarei manter minha atividade aqui no blog com a regularidade de pelo menos um post semanal, veremos ...

Abs!!!!