quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Vidas Medíocres

Medíocre é uma daquelas palavras que podem ser usadas com sentidos contraditórios. Nos dicionários, medíocre é definido como "mediano" (e demais adjetivos), mas também como "que está abaixo da média". Aprendi, no Houaiss, que em Portugal a palavra medíocre é usada como medida de avaliação escolar: "grau de avaliação acadêmica, entre mau e suficiente". Quero aproveitar esse jogo de usos e sentidos, de modo que neste post, medíocre pode significar mediano ou abaixo da média, e fica por sua conta e risco distinguir tais usos.

Tenho prestado atenção em estudantes de teologia, pastores e pastoras, líderes religiosos e gentes semelhantes (pessoas que exercem profissões que influenciam outras pessoas). Para meu desalento, constato que a mediocridade se tornou o padrão aceitável para a maioria delas. No caso de estudantes o que se deseja é fazer o mínimo necessário "para passar"; no caso de pastores, o mínimo necessário "para não perder a igreja"; etc., etc.

Uma das razões mais frequentes que ouço para justificar a vida medíocre é a do "tempo" - a vida está muito corrida, a gente tem tanta coisa para fazer, o tempo voa ... Assim, enquanto em outros tempos se lia um livro de trezentas páginas (só para efeitos de comparação), agora se lê um de "bolso" com umas cem páginas e olhe lá ... Enquanto se lia textos densos, desafiadores, complexos, agora se pede a escritores que escrevam textos simples, fáceis de ler, "ou, então, as pessoas não vão comprar seu livro" ...

Lembro-me de um tempo em que um sermão durava quarenta minutos e o povo da igreja ficava atento, tentando aprender, se questionando sobre o conteúdo pregado. Hoje em dia, sermão tem de ser curtinho, para ter mais "tempo" para o louvor. "Louvor" - que desilusão - esta palavra agora se refere a um "tempão" no culto em que se fica cantando letras sem pé nem cabeça, mas que fazem nossos pés balançarem e nossos cérebros se desligarem, transes evangélicos pseudo-catárticos ...

Escrevi minha dissertação de mestrado em uma época em que duzentas páginas indicavam um trabalho com bom potencial, enquanto hoje em dia as melhores escolas já pedem no máximo umas cento e vinte - afinal de contas, "ninguém mais tem tempo para ler tanta coisa" ... Menos páginas, menos bibliografia (efetivamente consultada e utilizada), menos qualidade, menos talento ...

Só dei exemplos do mundo escolar e paroquial, mas a mediocridade está correndo solta por aí: no futebol (lembram-se do tempo em que um jogo de futebol não servia como sonífero?), na música (lembra-se do tempo em que as músicas e letras tinham "qualidade" e "talento"?), no trânsito (graças a deus não tenho mais carro e não vou morrer de stress no volante), nos restaurantes (até as lojas de fast-food já não vendem mais "food", nem atendem "fast"), e a programação da TV aberta? e as twitadas? e os blogues???

"Mediocridade de mediocridades, tudo é mediocridade", para parafrasear um antigo filósofo judeu, de apelido Qohelet.

"Uma vida medíocre não é digna de ser vivida", para parafrasear outro filósofo antigo, desta vez um grego, Sócrates (que nunca jogou futebol, nem era chegado a uma brahminha no boteco da esquina :) nada contra o talento do dr. Sócrates, mas ele jogava bola em outra época, na qual dentro de campo os medíocres eram obrigados a aplaudir os craques).

E para concluir, e para você não dizer que não falei em parceria, a vida medíocre é a vida do contrato - só se faz o que está regrado, regulamentado, normalizado e sacramentado. Por isso, continuo apostando na parceria com O Impossível, sempre fugindo da mediocridade "que assola o país".

Cá entre nós, que post mediocrezinho, né?

4 comentários:

  1. Tomara que a mediocridade não seja canonizada :)

    ResponderExcluir
  2. Júlio, as pessoas me perguntam a razão pela qual deixei a blogosfera, orkut, facebook, etc. minha resposta taciturna: cansei de tanta mediocridade entre os crentes.

    Esdras Bentho

    ResponderExcluir
  3. Pois é Esdras, precisamos navegar sem estar na internet, parafraseando I João ...

    ResponderExcluir