terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Contrato com O Possível

Desde os venerandos textos de Aristóteles costuma-se dizer que a política é a “arte do possível”. Teóricos políticos muito distintos uns dos outros usam essa mesma definição, pelo menos como ponto de partida, em seus estudos políticos. Vou aproveitá-la para traçar um contraste entre a Parceria com O Impossível & o Contrato com O Possível.

No mundo político, O Possível é quem dita as regras. Há uma distância infinita entre o dever-fazer e o poder-fazer (claro que esta distância é ampliada ou diminuída pelo querer-fazer, embora, na prática, o querer-fazer comumente faça a distância continuar infinita). Todos os governantes e todas as governantes, após campanhas eleitorais em que defendem as mais belas utopias e defendam as bandeiras mais populares, assumem o trono (ou a poltrona) e já se esquecem da retórica eleitoral (e/ou eleitoreira). Sentado no trono, o governante assina um contrato virtual, inegociável e imutável, com O Possível. Exemplos:

(a) o salário mínimo no Brasil, para cumprir o texto constitucional, deveria ser maior do que R$2.000,00 (dois mil reais), segundo estimativas do DIEESE. Dona Dilma e seu governo trabalharão para que ele não passe de R$545,00 – pois esse é o valor Possível. Infinita distância entre o dever constitucional e o poder econômico, mediada pelo querer estatal;
(b) as chamadas agências reguladoras deveriam fazer valer o direito e os direitos dos consumidores – mas tente acionar a ANATEL ou a INFRAERO ou qualquer outra dessas agências quando seus direitos forem violados pelas empresas gigantescas que prestam seus maravilhosos serviços à população – dever não é poder;
(c) o salário dos congressistas aumentou 60% (sessenta por cento), da noite para o dia, ou melhor, na calada da noite legislativa, enquanto o dos trabalhadores não aumenta mais do que 10% (dez por cento). Neste caso, querer é poder e se transforma em dever. Ou seja, o contrato com O Possível torna inviável realizar o dever, mas possibilita que o não-dever se transforme em dever – e este travestido direito não está infinitamente distante do poder-fazer.

Poderia multiplicar os exemplos, mas não quero enfadar-me nem enfadá-lo. O problema do contrato com O Possível é que ele serve apenas para manter o status quo, para dourar a pílula dos excluídos e empobrecidos, para encantar os eleitores com os sonhos natimortos dos candidatos compactuados com O Possível.

O Possível é ídolo. O grande Ídolo. O maior de todos os ídolos. A ele se curvam todos os poderosos, pois O Possível recompensa seus adoradores com O Poder. O poder-fazer o que querem-fazer, desde que o querer-fazer não seja compatível com o dever-fazer, desde que o fazer do Possível não seja atrapalhado pela virtude.

O contrato com O Possível é morte certa. A parceria com O Impossível é vida plenificável. Pesados na balança, será possível que O Possível vença sempre?

2 comentários:

  1. Não existe nada de novo debaixo do sol, tudo é vaidade e ilusão.

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  2. O Qohelet estava certo, mas acima do sol, o Novo impera ...

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