Todas as pessoas que acompanham o noticiário sobre os últimos dias de combate entre o Estado e o Crime Organizado no Rio de Janeiro reconhecem a situação de terror, caos e mortandade que se estabeleceu. Situação que os cariocas estão vivenciando, alguns como perpetradores, a maioria como vítimas inocentes de uma crônica situação de injustiça e exclusão social – que tenho comentado, em termos abstratos, neste blog mais de uma vez.
A resposta forte do Estado, polícia, exército, armas, equipamentos de guerra, não resolve a situação de violência. É necessária, um mal necessário, prefiro dizer. Resolve situações imediatas, conquista territórios específicos, delimita os agentes do confronto, demonstra as possibilidades e os limites estratégicos e de poder de fogo das partes envolvidas no conflito. Visa restabelecer a “ordem pública” violada pelo quase-Estado paralelo que o crime organizado tem conseguido criar e manter.
Como resolver, porém, essa crise aparentemente interminável? Insisto: polícia e exército nas ruas não é a solução, assim como não o são mais presídios, celas, tecnologias de vigilância. Males necessários (talvez expressão de desespero e impotência), mas não solução.
Um dos caminhos para a solução: quando o acesso à vida digna e boa mediante as vias “normais e ordeiras” estiver tão disponível e for tão atraente quanto o acesso oferecido pelo crime, cada vez menos pessoas irão buscar no crime o seu projeto de vida. Ora, adolescentes e jovens envolvidos no crime organizado sabem que a vida encurta. Mas lhes parece mais viável viver intensamente uma vida curta, do que sobreviver mal uma vida longa e chata. Quando o acesso “digno” à vida digna for universalizado, menos pessoas irão buscar nas drogas (cigarro, álcool, maconha, crack, etc.) a paz e o reconhecimento que não encontram no seu cotidiano.
Outro caminho, simultâneo: quando formos capazes de modificar o conjunto hierarquizado de valores que legitima a violência sistêmica que gera e mantém pessoas sob o risco permanente da indignidade da vida, menos e menos pessoas optarão pelos caminhos ilegais e criminosos para alcançar o “sonho brasileiro”. Ou seja, quando o “sonho brasileiro” não for mais medido pela capacidade de consumo e pelo volume de dinheiro possuído, mas passar a ser medido pela qualidade da educação, da solidariedade, da cidadania, etc. Quando a auto-imagem e a auto-estima não forem mais construídas a partir da “posse”, mas da “partilha e da comunhão”, ou reconhecimento mútuo, as ofertas do crime não terão atração tão sedutora. Quando a cidadania não for mais obstaculizada pelas injustas gradações e privilégios que ainda são dominantes no Brasil, o “jeitinho” brasileiro não passará pelos caminhos da transgressão impotente.
Duas sugestões apenas. Não a receita mágica, não a panacéia, não o projeto em plenitude. Dois caminhos a serem trilhados perseverantemente, jeitos não-jeitinhos-mas-jeitosos de refazer a nossa história e de fazer valer a máxima "o Rio de Janeiro continua lindo".
Entre as palavras atribuídas a Jesus nos Evangelhos, encontramos algumas falas que nos encaminham à reflexão transformadora: “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”; “bem-aventuradas as pessoas que têm fome e sede de justiça, serão saciadas”; “bem-aventuradas as pessoas que praticam a paz, verão a Deus”; “não acumulem tesouros na terra,onde a traça e a ferrugem comem e corroem”; “amarás o teu próximo, como a ti mesmo”. Não são pérolas de pensamento positivo. Não são mantras mágicos que repetidos farão do inferno um paraíso. São sínteses de sabedoria que convidam, que exigem reflexão, estudo, discernimento. São sinais que apontam para ações e relações capazes de vencer o mal com o bem. São, para todas e todos nós, con-vocações!
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