Voltemos à reflexão sobre a berith na Escritura judaico-cristã. Vitalidade, Liberdade, Inclusividade – essas características da parceria divina foram brevemente discutidas em momentos anteriores. Hoje nosso foco recai sobre a quarta característica da parceria: a equidade. Opto pelo termo equidade ao invés de igualdade, porque o primeiro permite uma descrição mais adequada, na medida em que o seu uso corrente na língua não se confunde com a ausência de diferenças ou desigualdades. Equidade significa, basicamente, tratamento igualmente adequado em situações desiguais, a imparcialidade no trato, o reconhecimento dos direitos de cada pessoa independentemente de mérito particular.
Na Torá judaica, o livro do Deuteronômio, em uma seção que vai de 14:22 a 15:23, tematiza a reestruturação da sociedade com vistas à equidade. O texto bíblico pressupõe que, ao longo da vida, as desigualdades surgem – seja por causas naturais (em uma economia agrícola pré-moderna, qualquer desarranjo das condições naturais poderia tornar necessitada uma família), ou por causas humanamente impostas (tributação, cobrança de empréstimos, etc.). Cinco cláusulas ético-legislativas visam a recomposição da equidade.
A primeira delas é a “lei do dízimo” (14:22-29), dividida em duas partes: o dízimo anual (22-27) e o dízimo trienal (28-29). O dízimo anual deveria ser levado ao lugar de culto e consumido em uma grande festa, pelos ofertantes, suas famílias, seus empregados, servos e por todas as pessoas necessitadas. Já o dízimo trienal deveria ser recolhido e estocado para servir às necessidades de “órfãos, viúvas, imigrantes e levitas (sacerdotes)”, grupos de pessoas que não possuíam terras e, assim, não poderiam se sustentar. Com esta formulação, a lei deuteronômica modifica a função do dízimo nas leis sacerdotais e monárquicas – nas quais o dízimo era uma espécie de imposto estatal ou religioso – gerando desigualdade, na medida em que privava o produtor e sua comunidade de parte do fruto do seu trabalho.
A segunda norma (15:1-6), conhecida como ano “sabático”, ou “da remissão”, é uma reformulação de antiga norma pré-monárquica, que determinava o descanso da terra agrícola a cada sete anos. Na forma deuteronômica, a lei demanda o perdão de todas as dívidas de judeus no sétimo ano do ciclo sabático (tornando, assim, compulsória e permanente uma regra que reis poderiam utilizar a seu arbítrio). Trata-se do perdão de dívidas contraídas para sustento da família e não de dívidas para consumo de supérfluos, investimento ou similar (não era uma economia monetária nem capitalista). O texto afirma que o perdão deve ser proclamado em relação às dívidas do “próximo” ou do “irmão”, de modo que o devedor e sua família pudessem reorganizar-se e se restabelecer em sua própria terra.
A terceira norma é a mais interessante (7-11), pois tematiza o empréstimo no sexto ano do ciclo sabático. Para um credor, emprestar no sexto ano do ciclo sabático praticamente equivaleria a dar o dinheiro ou o produto, pois com a chegada do sétimo ano a dívida teria de ser perdoada. Por isso, a norma enfatiza as paixões do possível credor: “não endurecerás teu coração, nem fecharás a tua mão ... não seja maligno teu olho ... não seja maligno teu coração ... generosamente darás”. A norma coloca o ser humano acima da economia, acima da relação comercial, acima da dívida financeira.
A quarta norma (12-18) tematiza a libertação dos escravos – escravizados especialmente em função de dívidas contraídas e não pagas. Tal servidão só poderia durar seis anos. No sétimo ano (não do ciclo sabático, mas do período específico de serviço ao credor) o escravo deveria ser libertado e, ao sair da servidão, deveria receber produto suficiente (com liberalidade) para retomar o trabalho agrícola em sua própria terra. Aqui a motivação da norma é econômica: ao trabalhar por seis anos, qualquer dívida outrora contraída já teria sido paga e com sobras! Uma cláusula da norma é intrigante para nós ocidentais modernos: a pessoa poderia escolher não aceitar a libertação e permanecer como escrava da família do credor. Estranho. Mas, de novo, o valor é: a pessoa está acima da economia e das normas legais.
A quinta norma é a mais estranha para nós (19-23), pois trata do sacrifício de primogênitos de animais como expressão de temor e gratidão a Deus. Tais animais seriam consumidos, como os dízimos, em festas religiosas com a participação de toda a família do ofertante. Caso o animal tivesse alguma impureza que o impedisse de ser consagrado na festa religiosa, deveria ser comido na casa da família, em uma festa “sagrada não-litúrgica” (alguns chamariam esta cláusula de “secular”, mas como a motivação é teológica, não acho apropriado tal termo). A motivação, mais uma vez, é a equidade: todas as pessoas poderiam aproveitar a vida reproduzida...
A parceria divina visa a equidade. É claro que hoje em dia as normas deuteronômicas enquanto tais se tornaram pesadamente anacrônicas. O que importa, porém, é o valor subjacente às mesmas: equidade, reestruturação da vida social com vistas a proporcionar boas condições de vida a todos os membros do povo – sem relação com seu possível mérito ou demérito. Trata-se de uma visão político-econômica que, por um lado, está na base da visão moderna da dignidade humana e dos direitos das pessoas; mas, por outro, contesta a visão liberal capitalista dessa dignidade e direitos – centrada em mérito e conquista – e lhe opõe uma descrição dos direitos humanos baseada na simples graça, na dádiva ou, se preferirmos, na necessidade e na igual dignidade de todas as pessoas, independentemente do lugar social que ocupam.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
sábado, 27 de novembro de 2010
“Guerra” no Rio de Janeiro
Todas as pessoas que acompanham o noticiário sobre os últimos dias de combate entre o Estado e o Crime Organizado no Rio de Janeiro reconhecem a situação de terror, caos e mortandade que se estabeleceu. Situação que os cariocas estão vivenciando, alguns como perpetradores, a maioria como vítimas inocentes de uma crônica situação de injustiça e exclusão social – que tenho comentado, em termos abstratos, neste blog mais de uma vez.
A resposta forte do Estado, polícia, exército, armas, equipamentos de guerra, não resolve a situação de violência. É necessária, um mal necessário, prefiro dizer. Resolve situações imediatas, conquista territórios específicos, delimita os agentes do confronto, demonstra as possibilidades e os limites estratégicos e de poder de fogo das partes envolvidas no conflito. Visa restabelecer a “ordem pública” violada pelo quase-Estado paralelo que o crime organizado tem conseguido criar e manter.
Como resolver, porém, essa crise aparentemente interminável? Insisto: polícia e exército nas ruas não é a solução, assim como não o são mais presídios, celas, tecnologias de vigilância. Males necessários (talvez expressão de desespero e impotência), mas não solução.
Um dos caminhos para a solução: quando o acesso à vida digna e boa mediante as vias “normais e ordeiras” estiver tão disponível e for tão atraente quanto o acesso oferecido pelo crime, cada vez menos pessoas irão buscar no crime o seu projeto de vida. Ora, adolescentes e jovens envolvidos no crime organizado sabem que a vida encurta. Mas lhes parece mais viável viver intensamente uma vida curta, do que sobreviver mal uma vida longa e chata. Quando o acesso “digno” à vida digna for universalizado, menos pessoas irão buscar nas drogas (cigarro, álcool, maconha, crack, etc.) a paz e o reconhecimento que não encontram no seu cotidiano.
Outro caminho, simultâneo: quando formos capazes de modificar o conjunto hierarquizado de valores que legitima a violência sistêmica que gera e mantém pessoas sob o risco permanente da indignidade da vida, menos e menos pessoas optarão pelos caminhos ilegais e criminosos para alcançar o “sonho brasileiro”. Ou seja, quando o “sonho brasileiro” não for mais medido pela capacidade de consumo e pelo volume de dinheiro possuído, mas passar a ser medido pela qualidade da educação, da solidariedade, da cidadania, etc. Quando a auto-imagem e a auto-estima não forem mais construídas a partir da “posse”, mas da “partilha e da comunhão”, ou reconhecimento mútuo, as ofertas do crime não terão atração tão sedutora. Quando a cidadania não for mais obstaculizada pelas injustas gradações e privilégios que ainda são dominantes no Brasil, o “jeitinho” brasileiro não passará pelos caminhos da transgressão impotente.
Duas sugestões apenas. Não a receita mágica, não a panacéia, não o projeto em plenitude. Dois caminhos a serem trilhados perseverantemente, jeitos não-jeitinhos-mas-jeitosos de refazer a nossa história e de fazer valer a máxima "o Rio de Janeiro continua lindo".
Entre as palavras atribuídas a Jesus nos Evangelhos, encontramos algumas falas que nos encaminham à reflexão transformadora: “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”; “bem-aventuradas as pessoas que têm fome e sede de justiça, serão saciadas”; “bem-aventuradas as pessoas que praticam a paz, verão a Deus”; “não acumulem tesouros na terra,onde a traça e a ferrugem comem e corroem”; “amarás o teu próximo, como a ti mesmo”. Não são pérolas de pensamento positivo. Não são mantras mágicos que repetidos farão do inferno um paraíso. São sínteses de sabedoria que convidam, que exigem reflexão, estudo, discernimento. São sinais que apontam para ações e relações capazes de vencer o mal com o bem. São, para todas e todos nós, con-vocações!
A resposta forte do Estado, polícia, exército, armas, equipamentos de guerra, não resolve a situação de violência. É necessária, um mal necessário, prefiro dizer. Resolve situações imediatas, conquista territórios específicos, delimita os agentes do confronto, demonstra as possibilidades e os limites estratégicos e de poder de fogo das partes envolvidas no conflito. Visa restabelecer a “ordem pública” violada pelo quase-Estado paralelo que o crime organizado tem conseguido criar e manter.
Como resolver, porém, essa crise aparentemente interminável? Insisto: polícia e exército nas ruas não é a solução, assim como não o são mais presídios, celas, tecnologias de vigilância. Males necessários (talvez expressão de desespero e impotência), mas não solução.
Um dos caminhos para a solução: quando o acesso à vida digna e boa mediante as vias “normais e ordeiras” estiver tão disponível e for tão atraente quanto o acesso oferecido pelo crime, cada vez menos pessoas irão buscar no crime o seu projeto de vida. Ora, adolescentes e jovens envolvidos no crime organizado sabem que a vida encurta. Mas lhes parece mais viável viver intensamente uma vida curta, do que sobreviver mal uma vida longa e chata. Quando o acesso “digno” à vida digna for universalizado, menos pessoas irão buscar nas drogas (cigarro, álcool, maconha, crack, etc.) a paz e o reconhecimento que não encontram no seu cotidiano.
Outro caminho, simultâneo: quando formos capazes de modificar o conjunto hierarquizado de valores que legitima a violência sistêmica que gera e mantém pessoas sob o risco permanente da indignidade da vida, menos e menos pessoas optarão pelos caminhos ilegais e criminosos para alcançar o “sonho brasileiro”. Ou seja, quando o “sonho brasileiro” não for mais medido pela capacidade de consumo e pelo volume de dinheiro possuído, mas passar a ser medido pela qualidade da educação, da solidariedade, da cidadania, etc. Quando a auto-imagem e a auto-estima não forem mais construídas a partir da “posse”, mas da “partilha e da comunhão”, ou reconhecimento mútuo, as ofertas do crime não terão atração tão sedutora. Quando a cidadania não for mais obstaculizada pelas injustas gradações e privilégios que ainda são dominantes no Brasil, o “jeitinho” brasileiro não passará pelos caminhos da transgressão impotente.
Duas sugestões apenas. Não a receita mágica, não a panacéia, não o projeto em plenitude. Dois caminhos a serem trilhados perseverantemente, jeitos não-jeitinhos-mas-jeitosos de refazer a nossa história e de fazer valer a máxima "o Rio de Janeiro continua lindo".
Entre as palavras atribuídas a Jesus nos Evangelhos, encontramos algumas falas que nos encaminham à reflexão transformadora: “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”; “bem-aventuradas as pessoas que têm fome e sede de justiça, serão saciadas”; “bem-aventuradas as pessoas que praticam a paz, verão a Deus”; “não acumulem tesouros na terra,onde a traça e a ferrugem comem e corroem”; “amarás o teu próximo, como a ti mesmo”. Não são pérolas de pensamento positivo. Não são mantras mágicos que repetidos farão do inferno um paraíso. São sínteses de sabedoria que convidam, que exigem reflexão, estudo, discernimento. São sinais que apontam para ações e relações capazes de vencer o mal com o bem. São, para todas e todos nós, con-vocações!
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Exclusão: Impedimentos à Parceria Includente
Semana passada apresentei as características básicas da inclusividade como elemento constitutivo da parceria (berith) entre YHWH e sua criação. Hoje quero destacar o que impede a inclusão, assim como, anteriormente, contrapus capitalismo, individualismo consumista e "religião" como obstáculos à vitalidade e à liberdade.
Capitalismo, individualismo consumista e "religião" também são obstáculos à inclusividade da parceria divino-criacional. De que maneira?
Um mecanismo de exclusão é a invisibilização do "outro". Nas sociedades capitalistas, parcela significativa da população é tornada invisível para que a injustiça estruturada-estruturante no/do capitalismo não seja percebida. No Brasil, por exemplo, cerca de um terço da população é constituída por essa gente invisível. Tais pessoas são excluídas do convívio social visível a fim de que não nos vejamos confrontados com o preço pago pela nossa "vida boa". Quem são essas pessoas? Podemos nomeá-las como pobres, miseráveis, vagabundos, bandidos, gentalha, ralé, ou termos assemelhados. São as pessoas que, para a ideologia capitalista, constituem o grupo de fracassados. Pessoas que não "conseguiram" aproveitar as oportunidades de educação, trabalho e ascensão social oferecidas livremente a todas cidadãs e cidadãos dos países democráticos. Gente que não conseguiu atingir o ideal heróico e excludente do "self-made (wo)man".
Gente que não está qualificada para os postos formais do mercado de trabalho "digno" e se vê obrigada a aceitar qualquer trabalho, por mais indigno que seja. Gente que cata os lixos que descartamos; gente que se embebeda com as bebidas que produzimos para o lazer dos bem-sucedidos e para afogar as mágoas dos fracassados; gente que vende o prazer sexual enquanto o corpo ainda consegue atrair compradores (é claro que estou falando do sexo por 10, 20 ou tantos reais); gente que é aprovada sem mérito no sistema escolar público que não consegue lidar com sua própria incapacidade de enfrentar o sistema capitalista e, depois, não será aceita pelo "mercado"; gente que lava e "guarda" os carros que simbolizam a ascensão social e o prestígio do consumo; gente que sobrevive apenas às custas da lenta e progressiva morte advinda das drogas que encobrem o "fracasso"; gente que, enfim, irá encher os bancos das igrejas que oferecem solução mágica para problemas nada mágicos, soluções que nem todos os Harry Potter do mundo da fantasia conseguem conjurar.
Outro mecanismo, indissoluvelmente ligado ao primeiro, é o da culpabilização do "outro". Essa gente excluída pelo sistema capitalista é não só tornada invisível, mas também culpabilizada pela sua própria condição de vítimas de uma injustiça social estruturada e estruturante da vida de seus corpos invisíveis. Já mencionara, e repito: as pessoas invisíveis são descritas como perdedoras, preguiçosas, indolentes, incapazes de aproveitar as oportunidades que o capitalismo e a democracia colocam ao alcance de todas as pessoas (a quem o sistema tem interesse em aproveitar). Gente que não alcançou o mérito necessário para ser enxergada; gente que não se esforçou o bastante; gente que não se sacrificou para alcançar o que "toda pessoa honesta e trabalhadora" alcança: dinheiro suficiente para viver sua vidinha individualista e consumista no sistema capitalista; gente que não teve fé suficiente para sair da própria desgraça e cair nas graças do deus Mamom (dinheiro ou mercado, atualizando um dito atribuído a Jesus no Evangelho de Mateus, no chamado sermão da montanha).
Culpabilização que é especialidade das instituições eclesiásticas cristãs que proliferam em nossa terra brasilis. Há várias maneiras de usar a Bíblia e a tradição cristã para culpabilizar as pessoas já condenadas pelo "mundo". A mais famosa e eficaz dessas maneiras é a perversão do conceito bíblico do pecado. Um conceito que, na Bíblia em geral, funciona principalmente como demarcador da distância ontológica (essencial) entre YHWH e a criação; mas que, em nosso discurso "cristão" é reduzido ao componente ético-moral. Conceito que legitima o círculo vicioso do sistema excludente: "você bebe porque é pecador, é pecador porque bebe" (podemos substituir o verbo beber por qualquer outro dos comportamentos que invisibiliza os excluídos do sistema vigente). Conceito que, ao invés de ressaltar a graça perdoadora de YHWH, caricaturiza o caráter de Deus como o de um rígido Juiz que distribui sentenças condenatórias a quem não pratica as obras necessárias para merecer a graça. E entre tais obras incluo a "fé" tão decantada em nosso discurso protestante, mas que de "fé" não tem quase nada, reduzida a uma obra meritória - posto que, de resposta à graça já outorgada, se torna em condição para recebê-la.
Você acha que estou exagerando? É possível. Mas então olhe para os irmãos e irmãs da igreja, olhe para seus amigos e amigas, olhe para seus e suas colegas de trabalho ou estudo. A gentalha invisível está bem representada nesses espaços sociais "dignos" do mundo capitalista que eu e você frequentamos piedosamente? Ou, quem sabe, em sua igreja, bêbados não são retirados do templo, prostitutas são bem recebidas, pessoas de rua encontram teto para não dormir ao relento, crianças que cheiram cola conseguem encontrar comida e afeto???
Capitalismo, individualismo consumista e "religião" também são obstáculos à inclusividade da parceria divino-criacional. De que maneira?
Um mecanismo de exclusão é a invisibilização do "outro". Nas sociedades capitalistas, parcela significativa da população é tornada invisível para que a injustiça estruturada-estruturante no/do capitalismo não seja percebida. No Brasil, por exemplo, cerca de um terço da população é constituída por essa gente invisível. Tais pessoas são excluídas do convívio social visível a fim de que não nos vejamos confrontados com o preço pago pela nossa "vida boa". Quem são essas pessoas? Podemos nomeá-las como pobres, miseráveis, vagabundos, bandidos, gentalha, ralé, ou termos assemelhados. São as pessoas que, para a ideologia capitalista, constituem o grupo de fracassados. Pessoas que não "conseguiram" aproveitar as oportunidades de educação, trabalho e ascensão social oferecidas livremente a todas cidadãs e cidadãos dos países democráticos. Gente que não conseguiu atingir o ideal heróico e excludente do "self-made (wo)man".
Gente que não está qualificada para os postos formais do mercado de trabalho "digno" e se vê obrigada a aceitar qualquer trabalho, por mais indigno que seja. Gente que cata os lixos que descartamos; gente que se embebeda com as bebidas que produzimos para o lazer dos bem-sucedidos e para afogar as mágoas dos fracassados; gente que vende o prazer sexual enquanto o corpo ainda consegue atrair compradores (é claro que estou falando do sexo por 10, 20 ou tantos reais); gente que é aprovada sem mérito no sistema escolar público que não consegue lidar com sua própria incapacidade de enfrentar o sistema capitalista e, depois, não será aceita pelo "mercado"; gente que lava e "guarda" os carros que simbolizam a ascensão social e o prestígio do consumo; gente que sobrevive apenas às custas da lenta e progressiva morte advinda das drogas que encobrem o "fracasso"; gente que, enfim, irá encher os bancos das igrejas que oferecem solução mágica para problemas nada mágicos, soluções que nem todos os Harry Potter do mundo da fantasia conseguem conjurar.
Outro mecanismo, indissoluvelmente ligado ao primeiro, é o da culpabilização do "outro". Essa gente excluída pelo sistema capitalista é não só tornada invisível, mas também culpabilizada pela sua própria condição de vítimas de uma injustiça social estruturada e estruturante da vida de seus corpos invisíveis. Já mencionara, e repito: as pessoas invisíveis são descritas como perdedoras, preguiçosas, indolentes, incapazes de aproveitar as oportunidades que o capitalismo e a democracia colocam ao alcance de todas as pessoas (a quem o sistema tem interesse em aproveitar). Gente que não alcançou o mérito necessário para ser enxergada; gente que não se esforçou o bastante; gente que não se sacrificou para alcançar o que "toda pessoa honesta e trabalhadora" alcança: dinheiro suficiente para viver sua vidinha individualista e consumista no sistema capitalista; gente que não teve fé suficiente para sair da própria desgraça e cair nas graças do deus Mamom (dinheiro ou mercado, atualizando um dito atribuído a Jesus no Evangelho de Mateus, no chamado sermão da montanha).
Culpabilização que é especialidade das instituições eclesiásticas cristãs que proliferam em nossa terra brasilis. Há várias maneiras de usar a Bíblia e a tradição cristã para culpabilizar as pessoas já condenadas pelo "mundo". A mais famosa e eficaz dessas maneiras é a perversão do conceito bíblico do pecado. Um conceito que, na Bíblia em geral, funciona principalmente como demarcador da distância ontológica (essencial) entre YHWH e a criação; mas que, em nosso discurso "cristão" é reduzido ao componente ético-moral. Conceito que legitima o círculo vicioso do sistema excludente: "você bebe porque é pecador, é pecador porque bebe" (podemos substituir o verbo beber por qualquer outro dos comportamentos que invisibiliza os excluídos do sistema vigente). Conceito que, ao invés de ressaltar a graça perdoadora de YHWH, caricaturiza o caráter de Deus como o de um rígido Juiz que distribui sentenças condenatórias a quem não pratica as obras necessárias para merecer a graça. E entre tais obras incluo a "fé" tão decantada em nosso discurso protestante, mas que de "fé" não tem quase nada, reduzida a uma obra meritória - posto que, de resposta à graça já outorgada, se torna em condição para recebê-la.
Você acha que estou exagerando? É possível. Mas então olhe para os irmãos e irmãs da igreja, olhe para seus amigos e amigas, olhe para seus e suas colegas de trabalho ou estudo. A gentalha invisível está bem representada nesses espaços sociais "dignos" do mundo capitalista que eu e você frequentamos piedosamente? Ou, quem sabe, em sua igreja, bêbados não são retirados do templo, prostitutas são bem recebidas, pessoas de rua encontram teto para não dormir ao relento, crianças que cheiram cola conseguem encontrar comida e afeto???
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Parceria: Pró-Inclusividade
Dando continuidade aos elementos constituintes da teologia da parceria na escritura judaico-cristã. Juntamente com vitalidade e liberdade, a inclusividade é um dos aspectos da parceria entre YHWH e sua criação.
Inclusividade é um termo debatido, polêmico. Talvez seja bom começar pelo que não seria inclusividade na parceria. Não é inclusividade a assimilação do diferente pelo grupo maior ou mais poderoso. Incluir não implica em exigir a aceitação, pelo incluído, da cultura do incluidor. Também não é incorporação - termo mais institucional, que descreve o desaparecimento do incorporado no incorporador - um tipo mais perverso de assimilação. Inclusividade também não é mera aceitação. Aceitar não conduz necessariamente à inclusão, pois é possível aceitar o outro sem que ele/ela faça parte do mesmo projeto de vida - aceitar sem se envolver, sem se comprometer, sem se relacionar. Também não é aceitar em um sentido passivo de não questionar o que a pessoa incluída faz ou pensa, ou tem como projeto de vida. A parceria de YHWH, quando inclui, transforma.
Começando pelo negativo, você mesmo/a pode deduzir o aspecto positivo. Antes, porém, de ir para essa dimensão, um pequeno desvio. O conceito bíblico mais importante, a meu ver, neste momento, para entender a inclusividade é o de pecado. É claro que, neste caso, não podemos pensar no pecado como um termo ético ou moral, mas devemos pensar nele como termo ontológico. Pecado é um modo-de-ser, é uma espécie de natureza, um tipo de DNA da criatura. A escritura judaico-cristã insiste: "todos pecaram". Todos e todas estamos incluídas e incluídos nesta categoria que não permite hierarquias, gradações, privilégios. Todas as pessoas que vivem são pecadoras - finitas, não-plenas, em-processo, em-busca-de, inter-dependentes, mortais. Se todos pecaram, todas as distinções que nós seres humanos inventamos não têm valor algum, pois todas são negações da parceria na medida em que são recusas de aceitar a nossa condição de humanos, apenas ou demasiadamente humanos.
Com esta revisão do conceito de pecado, podemos redescrever a noção de conversão. Conversão é uma reviravolta, uma retomada de posição, parar de acaminhar na direção da morte e começar a caminhar na direção da vida. Para essa retomada, é necessário o arrependimento (que não se trata de remorso ou ato similar), a tomada de consciência da nossa pecaminosidade, da nossa finitude. Sei que é politicamente incorreto falar de pecado, arrependimento, conversão. Incorreto, mas necessário. Foi o pensamento cartesiano, o humanista, o iluminista e seus assemelhados que transformaram o ser humano em super-humano, em ser-em-direção-ao-progresso-para-o-qual-nasceu. Humanos, somos perfeitos, plenos, racionais. Tão racionalmente plenos que, mesmo reconhecendo as atrocidades dos mundos pré-modernos, as repetimos com elevada dose de sutileza e humanismo ilustrado. Não somos como os antigos, que dividiam o mundo entre gregos e bárbaros, com-alma e sem-alma. Hoje sabmeos que todos somos iguais em dignidade - somos diferentes apenas na conta bancária, no status social. Nossos binarismos são racionais, científicos. É desse caminho que precisamos nos arrepender e encetar meia-volta em direção oposta.
Arrependidas e convertidas, as pessoas estão incluídas na parceria de YHWH. Nessa parceria, o projeto de vida transformador, pró-vitalidade e pró-liberdade envolve todas as participantes - inclusivamente, sem gradações, privilégios ou hierarquias. Todos os membros da parceria contribuem criativamente para realizar a própria parceria, para concretizar as suas próprias dimensões. Entrar na parceria não é tão fácil, mas permanecer nele é menos fácil ainda - há que se adentrar em um novo estilo de vida, ainda-em-construção, inacabado, utópico. Inclusividade que não significa uniformidade, comodidade, banalidade. Incluir para transformar sem-violência. Transformação que é auto-transformação-em-parceria. Incluir todas as pessoas que, de direito, são iguais; embora, de fato, diferentes. Diferenças que não excluem, não assimilam, não incorporam. Diferenças que, includentemente, enriquecem.
Inclusividade é um termo debatido, polêmico. Talvez seja bom começar pelo que não seria inclusividade na parceria. Não é inclusividade a assimilação do diferente pelo grupo maior ou mais poderoso. Incluir não implica em exigir a aceitação, pelo incluído, da cultura do incluidor. Também não é incorporação - termo mais institucional, que descreve o desaparecimento do incorporado no incorporador - um tipo mais perverso de assimilação. Inclusividade também não é mera aceitação. Aceitar não conduz necessariamente à inclusão, pois é possível aceitar o outro sem que ele/ela faça parte do mesmo projeto de vida - aceitar sem se envolver, sem se comprometer, sem se relacionar. Também não é aceitar em um sentido passivo de não questionar o que a pessoa incluída faz ou pensa, ou tem como projeto de vida. A parceria de YHWH, quando inclui, transforma.
Começando pelo negativo, você mesmo/a pode deduzir o aspecto positivo. Antes, porém, de ir para essa dimensão, um pequeno desvio. O conceito bíblico mais importante, a meu ver, neste momento, para entender a inclusividade é o de pecado. É claro que, neste caso, não podemos pensar no pecado como um termo ético ou moral, mas devemos pensar nele como termo ontológico. Pecado é um modo-de-ser, é uma espécie de natureza, um tipo de DNA da criatura. A escritura judaico-cristã insiste: "todos pecaram". Todos e todas estamos incluídas e incluídos nesta categoria que não permite hierarquias, gradações, privilégios. Todas as pessoas que vivem são pecadoras - finitas, não-plenas, em-processo, em-busca-de, inter-dependentes, mortais. Se todos pecaram, todas as distinções que nós seres humanos inventamos não têm valor algum, pois todas são negações da parceria na medida em que são recusas de aceitar a nossa condição de humanos, apenas ou demasiadamente humanos.
Com esta revisão do conceito de pecado, podemos redescrever a noção de conversão. Conversão é uma reviravolta, uma retomada de posição, parar de acaminhar na direção da morte e começar a caminhar na direção da vida. Para essa retomada, é necessário o arrependimento (que não se trata de remorso ou ato similar), a tomada de consciência da nossa pecaminosidade, da nossa finitude. Sei que é politicamente incorreto falar de pecado, arrependimento, conversão. Incorreto, mas necessário. Foi o pensamento cartesiano, o humanista, o iluminista e seus assemelhados que transformaram o ser humano em super-humano, em ser-em-direção-ao-progresso-para-o-qual-nasceu. Humanos, somos perfeitos, plenos, racionais. Tão racionalmente plenos que, mesmo reconhecendo as atrocidades dos mundos pré-modernos, as repetimos com elevada dose de sutileza e humanismo ilustrado. Não somos como os antigos, que dividiam o mundo entre gregos e bárbaros, com-alma e sem-alma. Hoje sabmeos que todos somos iguais em dignidade - somos diferentes apenas na conta bancária, no status social. Nossos binarismos são racionais, científicos. É desse caminho que precisamos nos arrepender e encetar meia-volta em direção oposta.
Arrependidas e convertidas, as pessoas estão incluídas na parceria de YHWH. Nessa parceria, o projeto de vida transformador, pró-vitalidade e pró-liberdade envolve todas as participantes - inclusivamente, sem gradações, privilégios ou hierarquias. Todos os membros da parceria contribuem criativamente para realizar a própria parceria, para concretizar as suas próprias dimensões. Entrar na parceria não é tão fácil, mas permanecer nele é menos fácil ainda - há que se adentrar em um novo estilo de vida, ainda-em-construção, inacabado, utópico. Inclusividade que não significa uniformidade, comodidade, banalidade. Incluir para transformar sem-violência. Transformação que é auto-transformação-em-parceria. Incluir todas as pessoas que, de direito, são iguais; embora, de fato, diferentes. Diferenças que não excluem, não assimilam, não incorporam. Diferenças que, includentemente, enriquecem.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Vitalidade e Liberdade - Obstáculos Contemporâneos
Em posts anteriores apresentei a vitalidade e a liberdade como elementos constituintes da parceria entre YHWH e sua criação. Quero destacar, neste, alguns dos obstáculos fundamentais que, na contemporaneidade, se interpõem à vitalidade e à liberdade.
Começando com o mais abstrato: o sistema econômico capitalista. Ficou meio fora de moda criticar o capitalismo de modo radical. Afinal de contas, vivemos na época do pensamento único, do fim das ideologias e das utopias...
Não tenho problema, porém, em estar fora de moda se for necessário. O capitalismo tornou-se um sistema econômico que coloca obstáculos de elevada monta à vitalidade. Apenas exemplos: Posso começar com a crise ambiental que vivemos e que, apesar das grandes reuniões e eventos, ainda não está próxima de ser superada. No final das contas, entre ambiente e lucro, o capitalismo elege o lucro. O capitalismo é gerador de miséria e exclusão, além de manter os trabalhadores dentro de patamares baixos de remuneração - doutra forma a tal de mais-valia (ainda que o conceito mereça revisão) não consegue formar parte do lucro. Ok! Não temos nenhum outro sistema econômico preparado para entrar e substituir o capitalismo. Mas quando o capitalismo iniciou, ele estava na mesma condição em relação ao feudalismo.
Semelhantemente, o capitalismo não é compatível com a liberdade. É moeda corrente nos estudos sociológicos sobre a modernidade - pelo menos entre sociólogos tais como Sousa Santos, José Maurício Domingues, Jessé Souza etc. - que o capitalismo moderno oferece liberdade à troca de mercadorias, mas gera dependência para os trabalhadores e as pessoas que vivem à sua órbita. Em outras palavras, a liberdade formal da cidadania não é acompanhada pela liberdade material da economia. O Estado de bem-estar social não conseguiu superar a dependência, e o atual modelo neoliberal está ainda mais longe de favorecer a liberdade plena do ser humano.
Outro obstáculo, que tem tudo a ver com o primeiro, é o individualismo consumista. Este tornou-se a forma cultural de vida predominante no Ocidente contemporâneo. Pessoas individualistas e consumistas não são capazes de atuar pela vitalidade e pela liberdade, a não ser em auto-benefício - o que, de fato, constitui-se em negação de ambas, posto que não se configura como ação parceira-pactual. O individualismo consumista vincula a identidade da pessoa aos objetos que pode consumir, despersonalizando-a e despersonalizando também as relações inter-pessoais. Semelhantemente, o individualismo consumista gera obstáculos tremendos à responsabilidade pública e, consequentemente, à solidariedade ativa e concreta em defesa dos direitos das vítimas da injustiça cristalizada no capitalismo.
Um último obstáculo a ser mostrado neste post (não último na realidade - deveria falar da ciência, da mídia, do estado...) é a própria religião. A forma contemporânea da religiosidade no Ocidente - nas igrejas e denominações cristãs bem como em outras formas e instituições religiosas - é de cunho individualista, competitivo, consumista e alienante. Na linguagem da carta paulina aos romanos, é uma religiosidade "conformada ao presente século", ou seja, com a cara do mundo presente. Uma religiosidade que abandonou a utopia, que abandonou a esperança, que renunciou à luta pela justiça e à busca pelo reinado de Deus (cf. o Sermão do Monte em Mateus 6), optando pela busca do dinheiro e tudo o que ele pode comprar. Trocou YHWH por Mamon, configurando-se em religiosidade tipicamente idolátrica.
Se queremos viver de modo concreto a parceria de YHWH, não podemos ser românticos, mas, sim, proféticos. Não podemos nos conformar, mas resistir. Resistir duramente ao "sistema" idolátrico que gera não-vitalidade e não-liberdade; posto que só oferece vitalidade e liberdade para quem as acumula e entesoura exclusivamente para si mesmos.
Começando com o mais abstrato: o sistema econômico capitalista. Ficou meio fora de moda criticar o capitalismo de modo radical. Afinal de contas, vivemos na época do pensamento único, do fim das ideologias e das utopias...
Não tenho problema, porém, em estar fora de moda se for necessário. O capitalismo tornou-se um sistema econômico que coloca obstáculos de elevada monta à vitalidade. Apenas exemplos: Posso começar com a crise ambiental que vivemos e que, apesar das grandes reuniões e eventos, ainda não está próxima de ser superada. No final das contas, entre ambiente e lucro, o capitalismo elege o lucro. O capitalismo é gerador de miséria e exclusão, além de manter os trabalhadores dentro de patamares baixos de remuneração - doutra forma a tal de mais-valia (ainda que o conceito mereça revisão) não consegue formar parte do lucro. Ok! Não temos nenhum outro sistema econômico preparado para entrar e substituir o capitalismo. Mas quando o capitalismo iniciou, ele estava na mesma condição em relação ao feudalismo.
Semelhantemente, o capitalismo não é compatível com a liberdade. É moeda corrente nos estudos sociológicos sobre a modernidade - pelo menos entre sociólogos tais como Sousa Santos, José Maurício Domingues, Jessé Souza etc. - que o capitalismo moderno oferece liberdade à troca de mercadorias, mas gera dependência para os trabalhadores e as pessoas que vivem à sua órbita. Em outras palavras, a liberdade formal da cidadania não é acompanhada pela liberdade material da economia. O Estado de bem-estar social não conseguiu superar a dependência, e o atual modelo neoliberal está ainda mais longe de favorecer a liberdade plena do ser humano.
Outro obstáculo, que tem tudo a ver com o primeiro, é o individualismo consumista. Este tornou-se a forma cultural de vida predominante no Ocidente contemporâneo. Pessoas individualistas e consumistas não são capazes de atuar pela vitalidade e pela liberdade, a não ser em auto-benefício - o que, de fato, constitui-se em negação de ambas, posto que não se configura como ação parceira-pactual. O individualismo consumista vincula a identidade da pessoa aos objetos que pode consumir, despersonalizando-a e despersonalizando também as relações inter-pessoais. Semelhantemente, o individualismo consumista gera obstáculos tremendos à responsabilidade pública e, consequentemente, à solidariedade ativa e concreta em defesa dos direitos das vítimas da injustiça cristalizada no capitalismo.
Um último obstáculo a ser mostrado neste post (não último na realidade - deveria falar da ciência, da mídia, do estado...) é a própria religião. A forma contemporânea da religiosidade no Ocidente - nas igrejas e denominações cristãs bem como em outras formas e instituições religiosas - é de cunho individualista, competitivo, consumista e alienante. Na linguagem da carta paulina aos romanos, é uma religiosidade "conformada ao presente século", ou seja, com a cara do mundo presente. Uma religiosidade que abandonou a utopia, que abandonou a esperança, que renunciou à luta pela justiça e à busca pelo reinado de Deus (cf. o Sermão do Monte em Mateus 6), optando pela busca do dinheiro e tudo o que ele pode comprar. Trocou YHWH por Mamon, configurando-se em religiosidade tipicamente idolátrica.
Se queremos viver de modo concreto a parceria de YHWH, não podemos ser românticos, mas, sim, proféticos. Não podemos nos conformar, mas resistir. Resistir duramente ao "sistema" idolátrico que gera não-vitalidade e não-liberdade; posto que só oferece vitalidade e liberdade para quem as acumula e entesoura exclusivamente para si mesmos.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Novos Blogs na Lista
Você deve ter percebido que incluí três novos blogs na relação de blogs interessantes. Tirei um, porque ele estava ficando muito desinteressante.
Os três novos: (1)o primeiro desses novos fica sempre no final da lista, pois não permite que as atualizações sejam lidas diretamente pelo sistema blogger - é um blog de artistas cristãos; (2) o blog de um amigo, ex-doutorando da EST, agora doutor, o André, que se especializou em teologia queer - assim, as discussões sobre homossexualidade passam pelo blog dele e só entro no assunto de vez em quando; (3) o blog de Isa Medeiros - "Preguiça Mental". Não a conheço. Não sei de que religião ela é. O seu blog porém é muito interessante, com um jeitão profético, criativo e bem-humorado.
Os três novos: (1)o primeiro desses novos fica sempre no final da lista, pois não permite que as atualizações sejam lidas diretamente pelo sistema blogger - é um blog de artistas cristãos; (2) o blog de um amigo, ex-doutorando da EST, agora doutor, o André, que se especializou em teologia queer - assim, as discussões sobre homossexualidade passam pelo blog dele e só entro no assunto de vez em quando; (3) o blog de Isa Medeiros - "Preguiça Mental". Não a conheço. Não sei de que religião ela é. O seu blog porém é muito interessante, com um jeitão profético, criativo e bem-humorado.
Parceria: Pró-Liberdade
Continuo as reflexões em gotas sobre a berith. Lembrando: (1) berith = parceria/relação pessoal mas não individualista; (2) berith possui várias dimensões, definidas pelos tipos de parceria/relacionamento que são por ela normatizados; (3) a primeira dimensão sobre que refleti foi a "pró-vitalidade" - a parceria de YHWH, a partir do ato criador, é com toda a sua criação e não apenas com os seres humanos.
A segunda dimensão da parceria que desejo ressaltar é a da liberdade. YHWH, pró-vitalidade é também pró-liberdade. Ao criar o mundo, faz desse mundo todo parceiro de seu ato criador, mediante o repartir a responsabilidade de gerar e sustentar a vida. Essa responsabilidade é o modo da parceria YHWH-criação estabelecer a liberdade.
Neste sentido, liberdade não pode ser vista, então, como o direito de fazer o que se quer fazer. Esta concepção é meramente individualista, voluntarista e pró-mortalidade. É melhor pensar na liberdade em outros termos. Por exemplo: nos escritos de Hegel se pode encontrar uma concepção de liberdade como superação da vontade individual a partir do reconhecimento dos direitos e das necessidades dos outros na totalidade social - ou liberdade como vida ética, concretizada no direito universalizável. Esse direito, porém, não pode ser meramente externo ao ser humano, pois, se fosse, não serviria para a liberdade - pois liberdade presupõe não ser determinado exteriormente. Citando o próprio Hegel: “A verdadeira liberdade, enquanto eticidade, é não ter a vontade como seu fim, conteúdo subjetivo, isto é, egoísta, e sim conteúdo universal” (Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Loyola, São Paulo, vol. 1, p. 263).
Poderia dar outros exemplos. Fico por aqui. Citei Hegel como um modo de também nos divertirmos. Eu, em particular, sou avesso ao sistema hegeliano. Cito porque, mesmo não aceitando um sistema, podemos dele extrair conceitos e ressignificá-los. Daí: liberdade não é fazer o que eu quero, mas, sim: liberdade é viver a parceria pró-vitalidade (isto ressignifica a noção hegeliana de eticidade). Ser livre é poder fazer tudo aquilo que possibilita a vitalidade. Mas só sou livre em parceria, ou, somente na comunhão com Deus e com sua criação, posso ser livre. Até porque, fora da relação com a criação e com YHWH criador/a, sou apenas um ser em direção à morte. Nunca um ser livre.
Volto ao texto do Gênesis. Os primeiros onze capítulos mostram como a liberdade é perdida na medida em que recusamos a parceria pró-vitalidade. O pecado originante (não "original" - briga da teologia sistemática) pode ser descrito como a tentativa de viver em liberdade sem a parceria - em outras palavras, a proibição simbólica de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal não visava a manutenção de Adão e Eva na inocência infantil. Visava, ao contrário, que Adão e Eva aprendessem que somente na parceria com YHWH o conhecimento do bem e do mal lhes serviria como veículo de liberdade e não de servidão. Daí pecado originante: querer ser livre fora da parceria é a origem de todos os pecados possíveis e imagináveis. ("Que volta estranha!" Talvez você esteja meio perdido com o meu argumento. De fato, deixei muita coisa implícita neste parágrafo. Uma dica para você preencher o argumento, se quiser: leia o Gênesis 2-3 à luz da discussão de Nietazsche e Foucault sobre o saber como poder e o poder como meio de colocar o outro em servidão.)
Um salto no tempo e espaço. De Gênesis a Gálatas. "Para a liberdade Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão" (5:1). "Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, em amor, colocai-vos a serviço uns dos outros" (5:13). Liberdade só existe na parceria com a pessoa messiânica Jesus - fora da parceria, retornamos ao jugo da escravidão ao mundo, ao pecado, à Lei e à carne. Retornamos ao mundo da liberdade como mero dever - externamente imposto sobre nós - seja por Deus, seja pela natureza, seja pelo Direito/Lei, seja pela cultura, etc.
Liberdade só existe na parceria de amor/serviço mútuos que prestamos uns aos outros. Liberdade é liberdade do egoísmo para a liberdade enquanto amar. É a liberdade do dever, para a liberdade enquanto possibilidade. É a liberdade da morte, para a liberdade enquanto vitalidade. Vitalidade que se concretiza no serviço amoroso a todas e todos os parceiros na criação divina. Liberdade é não receber a imposição do dever de nenhuma força externa a nós. O dever (ressignificando Kant) brota de dentro de nós, na relação de parceria pró-vitalidade, com YHWH e toda a criação. Assim, dever é sinônimo de possibilidade. Amo as outras pessoas e criaturas de YHWH porque, na parceria, posso amá-las - e , ao amá-las, também amo a mim mesmo, pois me coloco no lugar de ser amado por todos os demais parceiros e parceiras da parceria pró-vitalidade. Podemos descrever, então, a liberdade, também como hospitalidade - acolher o outro, não-convidado, como co-habitante na minha casa. (Aqui, estão implícitas muitas das discussões éticas de Emanuel Levinas e Jacques Derrida, assim como uma das parábolas de Jesus, a do banquete em Lucas 14:12-14.)
É preciso, agora, dar o salto da linguagem pessoal para a das relações institucionalizadas em nossas sociedades complexas do mundo contemporâneo. Deixo este salto para você.
A segunda dimensão da parceria que desejo ressaltar é a da liberdade. YHWH, pró-vitalidade é também pró-liberdade. Ao criar o mundo, faz desse mundo todo parceiro de seu ato criador, mediante o repartir a responsabilidade de gerar e sustentar a vida. Essa responsabilidade é o modo da parceria YHWH-criação estabelecer a liberdade.
Neste sentido, liberdade não pode ser vista, então, como o direito de fazer o que se quer fazer. Esta concepção é meramente individualista, voluntarista e pró-mortalidade. É melhor pensar na liberdade em outros termos. Por exemplo: nos escritos de Hegel se pode encontrar uma concepção de liberdade como superação da vontade individual a partir do reconhecimento dos direitos e das necessidades dos outros na totalidade social - ou liberdade como vida ética, concretizada no direito universalizável. Esse direito, porém, não pode ser meramente externo ao ser humano, pois, se fosse, não serviria para a liberdade - pois liberdade presupõe não ser determinado exteriormente. Citando o próprio Hegel: “A verdadeira liberdade, enquanto eticidade, é não ter a vontade como seu fim, conteúdo subjetivo, isto é, egoísta, e sim conteúdo universal” (Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Loyola, São Paulo, vol. 1, p. 263).
Poderia dar outros exemplos. Fico por aqui. Citei Hegel como um modo de também nos divertirmos. Eu, em particular, sou avesso ao sistema hegeliano. Cito porque, mesmo não aceitando um sistema, podemos dele extrair conceitos e ressignificá-los. Daí: liberdade não é fazer o que eu quero, mas, sim: liberdade é viver a parceria pró-vitalidade (isto ressignifica a noção hegeliana de eticidade). Ser livre é poder fazer tudo aquilo que possibilita a vitalidade. Mas só sou livre em parceria, ou, somente na comunhão com Deus e com sua criação, posso ser livre. Até porque, fora da relação com a criação e com YHWH criador/a, sou apenas um ser em direção à morte. Nunca um ser livre.
Volto ao texto do Gênesis. Os primeiros onze capítulos mostram como a liberdade é perdida na medida em que recusamos a parceria pró-vitalidade. O pecado originante (não "original" - briga da teologia sistemática) pode ser descrito como a tentativa de viver em liberdade sem a parceria - em outras palavras, a proibição simbólica de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal não visava a manutenção de Adão e Eva na inocência infantil. Visava, ao contrário, que Adão e Eva aprendessem que somente na parceria com YHWH o conhecimento do bem e do mal lhes serviria como veículo de liberdade e não de servidão. Daí pecado originante: querer ser livre fora da parceria é a origem de todos os pecados possíveis e imagináveis. ("Que volta estranha!" Talvez você esteja meio perdido com o meu argumento. De fato, deixei muita coisa implícita neste parágrafo. Uma dica para você preencher o argumento, se quiser: leia o Gênesis 2-3 à luz da discussão de Nietazsche e Foucault sobre o saber como poder e o poder como meio de colocar o outro em servidão.)
Um salto no tempo e espaço. De Gênesis a Gálatas. "Para a liberdade Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão" (5:1). "Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, em amor, colocai-vos a serviço uns dos outros" (5:13). Liberdade só existe na parceria com a pessoa messiânica Jesus - fora da parceria, retornamos ao jugo da escravidão ao mundo, ao pecado, à Lei e à carne. Retornamos ao mundo da liberdade como mero dever - externamente imposto sobre nós - seja por Deus, seja pela natureza, seja pelo Direito/Lei, seja pela cultura, etc.
Liberdade só existe na parceria de amor/serviço mútuos que prestamos uns aos outros. Liberdade é liberdade do egoísmo para a liberdade enquanto amar. É a liberdade do dever, para a liberdade enquanto possibilidade. É a liberdade da morte, para a liberdade enquanto vitalidade. Vitalidade que se concretiza no serviço amoroso a todas e todos os parceiros na criação divina. Liberdade é não receber a imposição do dever de nenhuma força externa a nós. O dever (ressignificando Kant) brota de dentro de nós, na relação de parceria pró-vitalidade, com YHWH e toda a criação. Assim, dever é sinônimo de possibilidade. Amo as outras pessoas e criaturas de YHWH porque, na parceria, posso amá-las - e , ao amá-las, também amo a mim mesmo, pois me coloco no lugar de ser amado por todos os demais parceiros e parceiras da parceria pró-vitalidade. Podemos descrever, então, a liberdade, também como hospitalidade - acolher o outro, não-convidado, como co-habitante na minha casa. (Aqui, estão implícitas muitas das discussões éticas de Emanuel Levinas e Jacques Derrida, assim como uma das parábolas de Jesus, a do banquete em Lucas 14:12-14.)
É preciso, agora, dar o salto da linguagem pessoal para a das relações institucionalizadas em nossas sociedades complexas do mundo contemporâneo. Deixo este salto para você.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Perguntar não ofende!
Candidata eleita Presidente da República: por que não agradeceu a Deus pelos votos que a elegeram neste segundo turno e invocou Sua ajuda para governar sabiamente o país?
Candidato derrotado no segundo turno: por que não agradeceu a Deus e invocou Sua ajuda agora que a "luta continua"?
Candidato derrotado no segundo turno: por que não agradeceu a Deus e invocou Sua ajuda agora que a "luta continua"?
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