"Ouve, ó Israel: YHWH, nosso Deus, YHWH um. Portanto, amarás a YHWH teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força. Que estas palavras que hoje te ordeno estejam em teu coração! Tu as inculcarás aos teus filhos, e delas falarás sentado em tua casa e andando em teu caminho, deitado e de pé. Tu as atarás também à tua mão como um sinal, e serão como um frontal entre teus olhos; tu as escreverás nos umbrais da tua casa e nas tuas portas." Dt 6,4-9
No primeiro verso do texto encontramos a afirmação fundamental da fé judaica: YHWH, nosso Deus, YHWH um. Propositadamente mantive a forma gramatical do texto hebraico “YHWH um” (sem verbo entre o sujeito e o predicativo do sujeito), que tem recebido diversas interpretações e traduções. A afirmação YHWH um destaca diferentes dimensões da fé deuteronômica: (a) YHWH é o único Deus de Israel, no sentido da exclusividade, ou seja, independentemente de quantos deuses tenham existido ou possam existir, para Israel há somente um Deus – YHWH – somente a Ele Israel adora, somente a Ele Israel é fiel, somente YHWH é a fonte de vida para Israel; (b) YHWH é um Deus pluralmente singular, no sentido de que Ele não precisa de outros deuses para repartir as tarefas (no pensamento vétero-oriental, os deuses tinham funções especializadas, por isso era necessário crer em vários deuses que cumpriam essas diferentes tarefas, tais como guerrear, fazer chover, curar doenças, etc.). Como Deus pluralmente singular, YHWH é suficiente, Israel não necessita de nenhum outro Deus para atender as suas necessidades – ou seja, YHWH não é um deus especialista, parcial; e (c) YHWH é o único Deus não feito por mãos humanas, os demais deuses são ídolos, fabricação de mãos humanas e não são capazes de agir. O aniconismo da fé israelita não se restringia apenas à ausência do uso de imagens da divindade, mas era expressão da sua crença na exclusividade e singularidade de YHWH. Por outro lado, a expressão “YHWH nosso Deus” destaca a aliança entre o Senhor e o povo israelita – aliança de amor, amizade, companheirismo, fidelidade e soberania de YHWH sobre Israel e a favor de Israel.
Conseqüentemente, o povo que faz aliança com o fiel e único Deus, é convocado a construir sua identidade a partir do amor a Deus. A escolha do verbo amar no livro do Deuteronômio tem significado muito especial. O livro do Deuteronômio adota e adapta o estilo dos tratados internacionais assírios. Nesses tratados, o rei de um país mais fraco que se associava ao rei de um país mais forte assumia o compromisso de amar o rei mais poderoso. Semelhantemente, os juramentos assírios feitos por oficiais que iniciavam seu serviço ao rei assírio faziam a mesma exigência: o oficial do rei se comprometia a amar ao rei. Assim, ao convocar Israel a amar a YHWH, o Deuteronômio não só destaca a relação de aliança entre Deus e o povo, como afirma que YHWH é o único rei de Israel, o único rei a quem Israel deveria ser fiel, o único rei a quem deveria servir. A repetição da palavra todo(a) e a soma dos termos coração, alma e força indicam que o compromisso de Israel com YHWH deveria ser integral. Assim como YHWH é um, o povo de Israel deveria ser unido em um único propósito: ser fiel a YHWH. O coração do israelita não poderia se dividir entre seu Deus e outros deuses, entre YHWH e outras lealdades.
Dessa forma, as palavras de YHWH, sua instrução (torá), deveriam ocupar o pensamento do israelita o tempo todo, e deveriam ser ensinadas de geração em geração. Eis aqui a peculiaridade deuteronômica em relação à teologia sacerdotal – ao invés de enfatizar a santidade e a pureza, mantidas através da participação na vida litúrgica no Templo, a teologia deuteronômica enfatiza o estudo das palavras de YHWH e sua prática na vida cotidiana, como demonstração da fidelidade de Israel ao seu único Deus. Todo o tempo, todas as dimensões da vida, todas as gerações do povo de Deus são convocadas à meditação, estudo e prática da Torá de YHWH. Se viver dessa maneira, Israel dará testemunho da singularidade e exclusividade de YHWH a todos os povos.
Kharis kai eirene
ResponderExcluirExcelente artigo, professor Júlio. Meus parabéns.
Olá Professor Julio.....
ResponderExcluirRealmente a confissão de fé Israelita é um modelo que a igreja atual deveria observar e praticar, pois, o "Shemá Ysrael" é tudo que foi escrito pelo senhor e muito mais. É ter uma intimidade com Eterno, a ponto de não separar o cotidiano (secular) do universo Espiritual e Sagrado que o Próprio Eterno propôs para os judeus. Com isso, evitaria o comércio da fé e a inclusão de outros deuses e imagens que tem se apropriado das liturgias e doutrinas eclesiasticas atuais.