Supostamente este é um blog teológico. Então, que é teologia, afinal de contas? É hora de jogar um jogo, o jogo das definições, das delimitações, das demarcações - melhor ainda, um jogo de desconstrução. Desconstruir é o alter-ego do de-finir (estabelecer o fim), é um in-finir, ou seja, um não-estabelecer-o-fim. Joguemos.
Na Idade Média, preconceituosamente chamada de Idade das Trevas, a definição mais comum da teologia era a de "ciência de Deus". Ciência era um conhecimento certo, verdadeiro, indubitável. Teologia era a ciência de Deus, posto que era a colocação em conceitos da revelação do próprio Deus com o suporte da razão. Por isso, era a rainha das ciências, posto que a ciência mais verdadeira das verdadeiras ciências. Até a filosofia foi colocada sob a teologia (ancilla theologiae), serva da teologia, a senhora da Verdade.
Na Modernidade, primeiro a Filosofia, depois a Ciência (ciências), destronaram a teologia. Ela deixa de ser definida como ciência, e passa a ser conhecimento de Deus. Uma espécie de "ciência de segunda categoria", pois à teologia faltam os principais elementos caracterizadores da Verdadeira Ciência: empiria, replicação da experiência, matematização e modelização, predizibilidade e, mais recentemente, falseabilidade. Se por um tempo a teologia tornou-se ancilla philosophiae, enfim ela se torna inútil, atópica - ou seja, sem lugar na Univer(si)dade, no lugar onde a única Verdade é constituída - o universo da Ciência com sua pretensão de uma teoria única de tudo - a universidade-universalidade-univerdade.
É claro, teólogos e instituições eclesiásticas espernearam. Até hoje há os que tentam refazer o percurso e recolocar a teologia no lugar da Ciência. Quase ninguém mais a pensa como rainha das ciências, mas ainda são muitas as pessoas e instituições que desejam realocar a teologia na Universidade-universalidade-univerdade da Ciência certa e verdadeira. Louvável atitude. Dignificante busca. Salvar a teologia do cativeiro do conhecimento e ressituá-la na liberdade da Ciência.
Digna e louvável mas, a meu ver, equivocada. Prefiro de-finir desconstrutivamente a teologia como um saber. Saber, que tem a ver com sabor, gosto, paladar, prazer. Saber, que tem a ver com sabedoria, saber-viver, viver-bem. Saber, que tem a ver com bem-dizer, bendizer, dizer para-bem. Saber não é nem conhecimento, nem Ciência. Também não é um meio-termo entre conhecimento e Ciência. É, sem-o-ser, anti-conhecimento e anti-Ciência. É, sem-o-ser, mais-que-conhecimento e mais-que-Ciência, menos-que-conhecimento e menos-que-Ciência.
Teologia é um saber que não se encanta com sua própria cria - conceitos, leis, normas, teorias. É um saber que se encanta com o seu caminho - "sabeirar" (viver-saber), saborear, "sabedoriar". Saber-viver-benfazejamente. Não é, como a filosofia, saber-viver-bem, embora também ande nos caminhos da filosofia. Não é, como a ciência, saber-fazer-direito, embora também navegue em águas científicas. Teologia é um saber-fazer-bem-a-alguém. Um saber, para cristãs e cristãos, cujo modelo foi o Messias Jesus, alguém que soube-fazer-bem-a-quem-nem-sempre-recebia-bem-o-bem-feito. Saber-sabor-prazer-sabedoria. Louca-sabedoria, porém, mais sábia que a sabedoria da Filosofia ou da Ciência. Mais sábia, por que sabe que é saber-imperfeito-incompleto-limitado-parcial-temporário-transitório-transeunte.
Deve ser por isso que muita gente não gosta de teologia. Deve ser por isso que muitos teólogos almejam fazer Teologia-Ciência. O saber teológico exige que a gente aprenda a viver no caminho. Teologia é saber navegante, que só aporta para poder voltar a navegar. Aproprio-me infielmente das palavras de Fernando Pessoa:
"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar".
Julio, teus olhos caminham por lugares que deixamos para traz ha muito tempo. A frenética destes dias por desejar ser o homem da ciência tem distanciado muitos de caminhar no caminho e com O Caminho.
ResponderExcluirSuas meditações ou reflexões têm me ajudado a pensar e repensar a "teologia" dando a ela a importância que de fato ela teme e porque ela existe.
Grato meu amado.
o que eu poderia dizer? é isso que eu chamo de "teologar-em-dialogia", poética e dialeticamente...abs. Handall.
ResponderExcluirJúlio, muito bem jogado o jogo da linguagem... Gosto dessa teologia-jogo, dessa pretensiosa despretensão... parece que há um tempo-espaço para esse perambular teológico, nesses novos tempos e novos espaços... creio que há gente precisando suspirar de alívio por um sagrado mais brinquedo e mais jogo, que acho que você sempre jogou muito bem, desde que lhe conheço... Um abraço.
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