A ideologia neoliberal é perversa e sem compaixão. Nela só há lugar para as pessoas capazes e competentes, que conseguem cumprir todas as exigências do mercado de trabalho e de consumo. Cada vez mais as empresas exigem maior qualificação para seus trabalhadores, e cada vez mais as máquinas substituem as pessoas no desempenho de funções e realização de serviços – e com isso aumenta o desemprego, a economia informal e a marginalidade. A sociedade atual, dominada pelo “deus Capital (Mamon)” gera um sistema social de exclusão, mediante o qual um número cada vez maior de pessoas é excluído do mercado de trabalho, da educação, da saúde, da dignidade, da própria vida!
Em resposta, as pessoas cada vez mais se refugiam nas drogas, na violência, nas religiões sem compromisso, no sexo sem amor, no individualismo, no consumismo; ou simplesmente caem para o submundo da miséria, da fome da marginalidade. É a pessoas assim que se dirige o convite divino à parceria (berith): pessoas sem compaixão, porque acreditam que a competitividade é o melhor meio de eliminar a pobreza e o sofrimento humano; pessoas sem compaixão, porque são vítimas sacrificiais de uma economia perversa, e se tornaram brutalizadas pelo sofrimento; pessoas sem discernimento, porque há tanta informação que não mais se consegue avaliar a veracidade das mesmas; pessoas sem discernimento, porque o consumista é guiado pelo desejo, pura e simplesmente, não pela razão, nem pela inteligência da fé. Para a mensagem da parceria ser viável, porém, as pessoas que nela crêem e por ela vivem, precisam constituir-se como comunidades cheias de compaixão e solidariedade.
Compaixão e solidariedade na comunicação do Evangelho
É necessário compaixão e solidariedade para comunicar o Evangelho da parceria, a fim deste se contrapor à má-notícia de que não há mais futuro viável fora do capitalismo. Ao olhar para as pessoas e para as multidões de seus dias, Jesus as via como “ovelhas sem pastor” e demonstrava-lhes compaixão. A compaixão/solidariedade era o motor de suas ações a favor das pessoas (v. Mt 9,36; 14,14; 15,32; 20,34; Mc 6,34; 8,2; Lc 7,13, etc.). Jesus demonstrava, através de seus atos, a compaixão de Deus pelos seus filhos e filhas escravizados ao pecado; demonstrava a solidariedade do Deus encarnado para com a humanidade pecadora (cf. Hb 2,14-17; 4,15-16). Para comunicar o Evangelho não se pode ver o “outro” como adversário – a evangelização não pode gerar inimigos, mas, sim, pessoas reconciliadas com Deus e, consequentemente, com o próximo e com elas mesmas, amigos e amigas de Jesus Cristo (Jo 15,14-15).
Para comunicar o Evangelho é necessário resistir à tendência desumanizadora e brutalizante de nossa sociedade; é preciso resistir à tentação de vivermos apenas em função de nós mesmos e de nossos interesses e desejos. Precisamos de solidariedade, compaixão: sentir o sofrimento do outro, como o nosso próprio sofrimento – sensibilidade, empatia. Se somos amigos e amigas de Cristo, fazemos o que Ele manda. E o que Ele manda? “Eu vos escolhi para irdes produzir frutos e para que o vosso fruto permaneça ... O que eu vos ordeno é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15,16-17). A comunidade da parceria existe para viver e comunicar o Evangelho – essa é a grande comissão de Jesus (Mt 28,18-20 e paralelos), e esse é o poder do Espírito (At 1,8) – e se ela não o faz, deixa de ser povo de Deus, e se identifica com o mundo; torna-se sal sem sabor, não prestando para nada. A comunidade parceira espalha a boa notícia de que, com Deus, nós podemos mudar a vida das pessoas!
Compaixão e solidariedade na prática do serviço ao próximo
Assim como Jesus fez acompanhar sua pregação de sinais visíveis do amor de Deus pelos pecadores, também a comunidade compassiva fará sua comunicação da salvação ser acompanhada dos sinais do Reino. Quem ama, é compassivo e solidário com a pessoa toda, não faz divisão entre “alma” e “corpo”, pregando para salvar “a alma” e deixar o “corpo” morrer, ou viver a serviço do Capital. Jesus cuidava das doenças do corpo, das doenças espirituais, dos problemas econômicos e sociais. Paulo, o evangelista aos gentios, recebeu a recomendação de “nos lembrar dos pobres, o que eu tive muito cuidado de fazer” (Gl 2,10). O serviço cristão é a expressão concreta da compaixão evangelizadora da Igreja. Serviço, ou diaconia (transliteração de palavra grega que significa serviço), é o meio pelo qual a comunidade parceira pratica as boas-obras para as quais foi chamada por Deus (Ef 2,10).
Precisamos discernir quais são as boas-obras mais urgentes, ou quais as formas mais importantes de ação diaconal. No âmbito da economia, por exemplo, a esmola já perdeu a sua eficácia (que teve em períodos muito antigos na história econômica da humanidade). O socorro econômico através da esmola é insuficiente para livrar os pobres da miséria. É preciso ações mais eficazes. Por exemplo: projetos sociais de capacitação profissional, projetos sociais de desenvolvimento comunitário; movimentos sociais de luta contra o desemprego, contra a fome; movimentos políticos pela adoção de mecanismos de defesa econômica dos cidadãos, garantidos pelo Estado – por exemplo: renda mínima, salário educação, etc. No âmbito da saúde, é preciso também atuar através de projetos de desenvolvimento (ambulatórios, clínicas voluntárias, etc.), e de movimentos sociais e políticos (campanhas contra certos tipos de câncer, instituições especializadas no atendimento a certos tipos de doenças e deficiências, etc.; movimentos políticos que visem forçar o Estado a cumprir as metas de saúde pública mínimas para garantir a dignidade dos cidadãos).
Em uma palavra, é preciso que a comunidade parceira atue de forma a contribuir para que a cidadania seja uma verdade prática, e não apenas um direito constitucional. Para que a mensagem da parceria seja entendida, é necessário que a comunidade parceira demonstre os sinais do Reino através de sua vida e da vida de seus membros. Em nossa sociedade, na qual a pessoa só é vista como consumidora, ou como produtora de bens (ou, então, é tornada invisível), precisamos ajudar a desenvolver a cidadania das pessoas. Como cidadãos do Reino do Deus parceiro, somos chamados a lutar para sermos cidadãs e cidadãos de um país justo e livre e para demonstrar solidariedade plena para com os não-cidadãos! Para fazer isso, o Espírito que ungiu Jesus, também pode nos ungir (cf. Lc 4,18-21; 7,18-23). Praticando a cidadania, motivada pela parceria divina, a comunidade da fé pode se tornar parceira de quem, no mundo atual, precisa da emancipação e liberdade que o sistema capitalista é incapaz de oferecer.
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