sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Deus Imprevisivelmente Fiel

No post anterior destaquei a imprevisibilidade de Deus. No testemunho bíblico, Deus é retratado como imprevisível, mas fiel - imprevisivelmente fiel. Fiel é a pessoa em quem se pode confiar, de quem se pode depender quando necessário. A fidelidade é a permanência, em uma pessoa, das ações e dos valores que permitem a ela, e aquelas com quem ela se relaciona, se re-conhecer e ser re-conhecida. A fidelidade é a permanência na mudança, no devir constante da construção e reconstrução da identidade pessoal, social, cultural, política, religiosa. A fidelidade é a marca dos relacionamentos confiáveis, que dão segurança, estabilidade em meio à incerteza e imprevisibilidade da vida. Segundo Sponville, a fidelidade é a virtude da memória: “É este o dever da memória: piedade e gratidão pelo passado. O duro dever, o exigente dever, o imprescritível dever de ser fiel!” E se fidelidade é o dever da memória, reconhecemos a fidelidade de Javé em sua memória: pois Javé se lembra de seus compromissos, mas se esquece dos pecados de seu povo! Memória que não é só re-viver o passado, mas também re-significá-lo, transformando-o no presente e futuro.

Fidelidade é virtude relacional, e a sua validade depende do objeto de sua atração: "a fidelidade só deve dirigir-se ao que vale, e proporcionalmente – se ouso dizer, já que se trata de grandezas por natureza não-quantificáveis – ao valor do que vale. Fidelidade primeiro ao sofrimento, à coragem desinteressada, ao amor...” Embora não se referindo a Deus, o texto de Sponville é fiel ao caráter de Javé: deus fiel ao seu povo que sofre (Ele é o Deus que ouve o clamor), fiel à salvação de seu povo (desce e liberta corajosamente se solidarizando com o povo que sofre), fiel à aliança que estabelece com os seus (hesed divina, amor misericordioso e fiel que sustenta a relação familiar de Javé com seu povo).

Em meio às vicissitudes da história, Javé permanece fiel, e porque Ele é fiel, também "o justo viverá por sua fidelidade” (Hc 2,4). Javé é fiel sim, mas não previsível. Os caminhos de Deus não são os nossos caminhos, os pensamentos de Javé não são os nossos pensamentos (Is 55,8), por isso somos incapazes de capturar a Sua fidelidade e domesticar Javé conforme nossa imagem e semelhança. No entanto, a fidelidade de Javé não é sinônimo de previsibilidade. Javé é imprevisivelmente fiel: teimoso, se preferirmos um adjetivo menos polido; zeloso, se escolhermos um adjetivo extraído das Escrituras. O povo de Israel celebrava a fidelidade de Javé, mas vez após vez, foi confundido por Javé para aprender que não poderia controlar o seu deus como faziam outros povos do Antigo Oriente. Para aprender que somente Javé é Deus, somente Ele mesmo é Javé – deus e não ser humano.

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