quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Teologia e Cidadania - Para Pensar!

STJ - O Tribunal da Cidadania

Segunda Seção decidirá possibilidade de união estável para casal homossexual (atualizada)
20/02/2011

Está previsto para a próxima quarta-feira (23) o julgamento de um caso em que se discute a possibilidade de reconhecimento de união estável a um casal de homossexuais do Rio Grande do Sul. O processo é relatado pela ministra Nancy Andrighi e será julgado na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O processo foi submetido à Seção em razão da relevância do tema, por decisão dos ministros da Terceira Turma. A Seção é composta pelos dez ministros responsáveis pelos julgamentos de casos relativos a Direito de Família e Direito Privado, reunindo a Terceira e a Quarta Turma do Tribunal. Quando se adota esse procedimento, de “afetar” o processo ao colegiado maior, a intenção dos ministros é uniformizar de forma mais rápida o entendimento das Turmas ou, até mesmo, rever uma jurisprudência consolidada.

O homem que propôs a ação afirma ter vivido em “união estável” com o parceiro entre 1993 e 2004, período em que foram adquiridos diversos bens móveis e imóveis, sempre em nome do companheiro. Com o fim do relacionamento, o autor pediu a partilha do patrimônio e a fixação de alimentos, esta última em razão da dependência econômica existente enquanto na constância da união.

O juiz inicial, da Vara de Família, entendeu procedente o pedido. O magistrado reconheceu a união estável e determinou a partilha dos bens adquiridos durante a convivência, além de fixar alimentos no valor de R$ 1 mil até a efetivação da divisão. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), porém, afastou a obrigação de pagar alimentos, mas manteve a sentença quanto ao restante.

Para o TJRS, os alimentos não seriam cabíveis, em razão da pouca idade do autor e sua aptidão para o trabalho. Mas o tribunal local não negou a competência da Vara de Família para o caso, a qual efetivamente reconheceu a existência de união estável, e não de sociedade de fato, na convivência por mais de dez anos do casal homossexual.


Família efetiva

O TJRS entendeu que “a união homoafetiva é fato social que se perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal, impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.

“Diante da prova contida nos autos, mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, já que entre os litigantes existiu por mais de dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera consequência”, concluiu a decisão do TJRS.

O parceiro obrigado a dividir seus bens alega, no STJ, que a decisão da Justiça gaúcha viola artigos dos códigos civis de 1916 e 2002, além da Lei n. 9.278/1996. Esses artigos se referem, todos, de algum modo, à união estável como união entre um homem e uma mulher, ou às regras da sociedade de fato.

O pedido é para que seja declarada a incompetência da Vara de Família para o caso e para que apenas os bens adquiridos na constância da união sejam partilhados, conforme demonstrada a contribuição efetiva de cada parceiro.

Presunção de esforço

Na Terceira Turma, outro processo em andamento pode afirmar a presunção de esforço comum na construção do patrimônio em uniões afetivas. Para a ministra Nancy Andrighi, reconhecer proteção patrimonial similar à do Direito de Família em uniões homoafetivas atende ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e promove dois objetivos fundamentais da República: a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

O voto da relatora afirma que, na falta de lei específica, o Judiciário não pode ser omisso. Por isso, a analogia deve ser aplicada no caso concreto. O entendimento foi parcialmente seguido pelo ministro Massami Uyeda. Após pedido de vista, o ministro Sidnei Beneti votou contra a presunção de esforço. O julgamento está interrompido por novo pedido de vista, do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Além de seu voto, falta o do desembargador convocado Vasco Della Giustina.

Sociedade de fato

Em dezembro, a mesma Terceira Turma decidiu dois casos similares, em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu do entendimento da Justiça gaúcha. Os recursos foram providos pela Turma. Em ambos, um dos parceiros havia falecido e se discutia a sucessão dos bens.

Naquela ocasião, os ministros aplicaram a jurisprudência do STJ, estabelecida em 1998 (Resp 148.897), que exige a comprovação de que os bens adquiridos durante a convivência tiveram origem em esforço comum dos companheiros. Segundo esse entendimento, feita a prova da contribuição de cada parceiro na construção do patrimônio comum, pode ser feita a partilha, na proporção do esforço individual. Para essa linha de pensamento, aplica-se a regra da sociedade de fato às uniões homoafetivas.

Esses casos pertenceriam, portanto, ao Direito das Obrigações, e não ao Direito de Família. “A repartição dos bens, sob tal premissa, deve acontecer na proporção da contribuição pessoal, direta e efetiva de cada um dos integrantes de dita sociedade”, explicou, em seu voto, o desembargador convocado Vasco Della Giustina. As ações foram devolvidas ao TJRS para novo julgamento, com observação das regras definidas pelo STJ.

Lacuna legal

Já em 2008, no julgamento do Resp 820.475, o STJ permitiu o seguimento de uma ação de declaração de união estável entre homossexuais. Por maioria, a Quarta Turma, em voto de desempate do ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a lei não proíbe de forma taxativa a união homoafetiva.

Como o julgador não pode alegar a ausência de previsão legal para deixar de decidir um caso submetido ao Judiciário, a Turma entendeu válida, em tese, a adoção da técnica de integração por meio da analogia. Assim, ao aplicar a lei, o juiz poderia fazê-la abranger casos não expressamente previstos, mas que, na essência, coincidissem com os abordados pelo legislador.

Nesse processo, os parceiros buscavam o reconhecimento de união estável na convivência por mais de 20 anos. Chegaram a se casar no exterior. Mas a Justiça do Rio de Janeiro extinguiu a ação, por entender ser impossível juridicamente a união estável homossexual.

A análise naquele julgamento se fixou na questão processual da viabilidade da própria ação. Os ministros não discutiram o mérito do direito dos autores, isto é, a possibilidade efetiva de união estável entre parceiros homoafetivos, como ocorrerá agora.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu, alegando violação à Constituição, mas o STJ não acolheu os argumentos. Outro recurso, apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão desde maio de 2010 (AI 794.588).

No entanto, em abril de 2010, ao julgar outro recurso (Resp 889.852) a Quarta Turma pacificou o entendimento de que as uniões homoafetivas merecem tratamento idêntico ao conferido às uniões estáveis. Na hipótese, os ministros permitiram que o nome da companheira de uma homossexual que havia adotado dois irmãos constasse também dos registros das crianças, sem a especificação da condição paterna ou materna.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, observou os fortes vínculos afetivos entre as adotantes e as crianças e concluiu que a situação estava consolidada. “ O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da ‘realidade’, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que elas, solidariamente, compete a responsabilidade”, afirmou.

Na ocasião do julgamento, o ministro Aldir Passarinho Júnior destacou que a jurisprudência do STJ vem fortalecendo esta compreensão. Para ele, o Tribunal vem caminhando no sentido de que é necessária maior proteção aos menores adotandos, “que estão muito bem assistidos pelo casal em questão”.


Vanguarda

Em outros temas, o STJ já se posicionou na vanguarda jurisprudencial. No Resp 395.904, a Sexta Turma entendeu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) deviam pensão ao companheiro do segurado falecido. O relacionamento durou 18 anos.

O STF ainda não decidiu o recurso contra essa decisão, que já conta com parecer favorável do MPF ao pensionista (RE 495.295). Para o INSS, o beneficiário não seria dependente do segurado, o que impediria o pagamento. O processo deu entrada no Supremo em 2006.

Segundo o voto do ministro falecido Hélio Quaglia, a legislação previdenciária não pretendeu excluir o conceito de união estável da relação homoafetiva. A Constituição, no campo previdenciário, não teria feito essa exclusão (artigo 201, inciso V). Diante da lacuna legal, o próprio INSS teria editado norma regulamentando os procedimentos para concessão de benefícios a parceiros homossexuais.

Em outra decisão, o STJ permitiu a inscrição do companheiro homossexual em plano de saúde (Resp 238.715). Em seu voto, o ministro aposentado Humberto Gomes de Barros afirmou: “O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana”. Por isso, a relação homoafetiva geraria direitos analógicos aos da união estável.

Nesse caso, os parceiros viviam juntos há sete anos e eram portadores de HIV. O pedido tratava expressamente de união estável, que permitiria a inclusão no plano de assistência médica empresarial. A Justiça gaúcha recusou a declaração de união estável, mas garantiu a inscrição no plano, o que foi mantido pelo STJ. O caso também está pendente de julgamento no STF desde 2006, com parecer do MPF pela manutenção da decisão do STJ (RE 515.872).

Adoção

Em agosto de 2010, o STJ garantiu, novamente, a um casal homossexual feminino a adoção de dois irmãos biológicos. Uma das parceiras já havia adotado as crianças desde o nascimento, e a companheira pediu na Justiça seu ingresso na adoção, com inserção do sobrenome nos filhos. Essa decisão está sendo questionada pelo Ministério Público gaúcho no STF, cujo processo deu entrada em outubro (RE 631.805).

O Judiciário gaúcho atendeu o pedido inicial, determinando a inserção da companheira no registro, sem menção específica das palavras “pai” ou “mãe” ou da condição materna ou paterna dos avós. No entender do TJRS, “os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores”.

“É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”, asseverou o tribunal local.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu da decisão, mas o STJ afirmou a prevalência da solução que melhor atendesse aos interesses das crianças. O processo listou diversos estudos científicos sobre o tema indicando a inexistência de inconvenientes na adoção das crianças por casal homossexual. Segundo os estudos, o fundamental é a qualidade do vínculo e do afeto do meio em que serão incluídas as crianças.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, “em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal”.

“A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, de desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade”, completou.

Lei e jurisprudência

O ministro João Otávio de Noronha, ao votar nesse processo, respondeu à crítica recorrente de que o Judiciário nacional tem legislado sobre o Direito de Família: “Toda construção de direito familiar no Brasil foi pretoriana. A lei sempre veio a posteriori. Com o concubinato foi assim, com a união estável foi assim”, lembrou.

“No caso, é preciso chamar a atenção para o seguinte: a lei não proíbe, ela garante o direito tanto entre os homoafetivos, como entre os héteros [heterossexuais]. Apenas lhes assegura um direito, não há vedação. Não há nenhum dispositivo que proíba, até porque uma pessoa solteira pode adotar. Então, não estamos aqui violando nenhuma disposição legal, mas construindo em um espaço, em um vácuo a ser preenchido ante a ausência de norma, daí a força criadora da jurisprudência. É exatamente nesse espaço que estamos atuando”, concluiu.

Processos: Resp 704803; Resp 633713; Resp 820475; Resp 148897; Resp 889852

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Vidas Medíocres

Medíocre é uma daquelas palavras que podem ser usadas com sentidos contraditórios. Nos dicionários, medíocre é definido como "mediano" (e demais adjetivos), mas também como "que está abaixo da média". Aprendi, no Houaiss, que em Portugal a palavra medíocre é usada como medida de avaliação escolar: "grau de avaliação acadêmica, entre mau e suficiente". Quero aproveitar esse jogo de usos e sentidos, de modo que neste post, medíocre pode significar mediano ou abaixo da média, e fica por sua conta e risco distinguir tais usos.

Tenho prestado atenção em estudantes de teologia, pastores e pastoras, líderes religiosos e gentes semelhantes (pessoas que exercem profissões que influenciam outras pessoas). Para meu desalento, constato que a mediocridade se tornou o padrão aceitável para a maioria delas. No caso de estudantes o que se deseja é fazer o mínimo necessário "para passar"; no caso de pastores, o mínimo necessário "para não perder a igreja"; etc., etc.

Uma das razões mais frequentes que ouço para justificar a vida medíocre é a do "tempo" - a vida está muito corrida, a gente tem tanta coisa para fazer, o tempo voa ... Assim, enquanto em outros tempos se lia um livro de trezentas páginas (só para efeitos de comparação), agora se lê um de "bolso" com umas cem páginas e olhe lá ... Enquanto se lia textos densos, desafiadores, complexos, agora se pede a escritores que escrevam textos simples, fáceis de ler, "ou, então, as pessoas não vão comprar seu livro" ...

Lembro-me de um tempo em que um sermão durava quarenta minutos e o povo da igreja ficava atento, tentando aprender, se questionando sobre o conteúdo pregado. Hoje em dia, sermão tem de ser curtinho, para ter mais "tempo" para o louvor. "Louvor" - que desilusão - esta palavra agora se refere a um "tempão" no culto em que se fica cantando letras sem pé nem cabeça, mas que fazem nossos pés balançarem e nossos cérebros se desligarem, transes evangélicos pseudo-catárticos ...

Escrevi minha dissertação de mestrado em uma época em que duzentas páginas indicavam um trabalho com bom potencial, enquanto hoje em dia as melhores escolas já pedem no máximo umas cento e vinte - afinal de contas, "ninguém mais tem tempo para ler tanta coisa" ... Menos páginas, menos bibliografia (efetivamente consultada e utilizada), menos qualidade, menos talento ...

Só dei exemplos do mundo escolar e paroquial, mas a mediocridade está correndo solta por aí: no futebol (lembram-se do tempo em que um jogo de futebol não servia como sonífero?), na música (lembra-se do tempo em que as músicas e letras tinham "qualidade" e "talento"?), no trânsito (graças a deus não tenho mais carro e não vou morrer de stress no volante), nos restaurantes (até as lojas de fast-food já não vendem mais "food", nem atendem "fast"), e a programação da TV aberta? e as twitadas? e os blogues???

"Mediocridade de mediocridades, tudo é mediocridade", para parafrasear um antigo filósofo judeu, de apelido Qohelet.

"Uma vida medíocre não é digna de ser vivida", para parafrasear outro filósofo antigo, desta vez um grego, Sócrates (que nunca jogou futebol, nem era chegado a uma brahminha no boteco da esquina :) nada contra o talento do dr. Sócrates, mas ele jogava bola em outra época, na qual dentro de campo os medíocres eram obrigados a aplaudir os craques).

E para concluir, e para você não dizer que não falei em parceria, a vida medíocre é a vida do contrato - só se faz o que está regrado, regulamentado, normalizado e sacramentado. Por isso, continuo apostando na parceria com O Impossível, sempre fugindo da mediocridade "que assola o país".

Cá entre nós, que post mediocrezinho, né?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Contrato com O Possível

Desde os venerandos textos de Aristóteles costuma-se dizer que a política é a “arte do possível”. Teóricos políticos muito distintos uns dos outros usam essa mesma definição, pelo menos como ponto de partida, em seus estudos políticos. Vou aproveitá-la para traçar um contraste entre a Parceria com O Impossível & o Contrato com O Possível.

No mundo político, O Possível é quem dita as regras. Há uma distância infinita entre o dever-fazer e o poder-fazer (claro que esta distância é ampliada ou diminuída pelo querer-fazer, embora, na prática, o querer-fazer comumente faça a distância continuar infinita). Todos os governantes e todas as governantes, após campanhas eleitorais em que defendem as mais belas utopias e defendam as bandeiras mais populares, assumem o trono (ou a poltrona) e já se esquecem da retórica eleitoral (e/ou eleitoreira). Sentado no trono, o governante assina um contrato virtual, inegociável e imutável, com O Possível. Exemplos:

(a) o salário mínimo no Brasil, para cumprir o texto constitucional, deveria ser maior do que R$2.000,00 (dois mil reais), segundo estimativas do DIEESE. Dona Dilma e seu governo trabalharão para que ele não passe de R$545,00 – pois esse é o valor Possível. Infinita distância entre o dever constitucional e o poder econômico, mediada pelo querer estatal;
(b) as chamadas agências reguladoras deveriam fazer valer o direito e os direitos dos consumidores – mas tente acionar a ANATEL ou a INFRAERO ou qualquer outra dessas agências quando seus direitos forem violados pelas empresas gigantescas que prestam seus maravilhosos serviços à população – dever não é poder;
(c) o salário dos congressistas aumentou 60% (sessenta por cento), da noite para o dia, ou melhor, na calada da noite legislativa, enquanto o dos trabalhadores não aumenta mais do que 10% (dez por cento). Neste caso, querer é poder e se transforma em dever. Ou seja, o contrato com O Possível torna inviável realizar o dever, mas possibilita que o não-dever se transforme em dever – e este travestido direito não está infinitamente distante do poder-fazer.

Poderia multiplicar os exemplos, mas não quero enfadar-me nem enfadá-lo. O problema do contrato com O Possível é que ele serve apenas para manter o status quo, para dourar a pílula dos excluídos e empobrecidos, para encantar os eleitores com os sonhos natimortos dos candidatos compactuados com O Possível.

O Possível é ídolo. O grande Ídolo. O maior de todos os ídolos. A ele se curvam todos os poderosos, pois O Possível recompensa seus adoradores com O Poder. O poder-fazer o que querem-fazer, desde que o querer-fazer não seja compatível com o dever-fazer, desde que o fazer do Possível não seja atrapalhado pela virtude.

O contrato com O Possível é morte certa. A parceria com O Impossível é vida plenificável. Pesados na balança, será possível que O Possível vença sempre?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Parceria com O Impossível

“De novo? Não vai mudar de assunto? Esse negócio de parceria já está ficando um pouco chato repetitivo ...”. Peço perdão, mas a repetição, ainda que meio chata, ajuda a gente fazer duas coisas importantes: (a) firmar a memória – em uma época de tanta informação e tão pouco conhecimento, lembrar de que se trata quando falamos de algo, é fundamental; (b) inovar, experimentar, buscar novas descrições das velhas idéias, histórias ou discussões. Tendo oferecido minha auto-justificação, aí vai a repetinovação.

Fé, relação com Deus, tem tudo a ver com parceria. Mais; é parceria. Ser uma pessoa religiosa é ser uma pessoa parceira. Parceria, porque esta se define pela não-solidão, pelo não-individualismo; pelo companheirismo, pelo estar-com, pelo viver-para alguém que não eu mesmo, um outro, ou uma outra, ou quaisquer outras formas gramaticais de gênero que se tornem possíveis.

Parceria com O Impossível. O Impossível é outro nome de Deus. Deus faz as coisas impossíveis – esta frase se repete na Escritura, de variadas formas. Frase que está na boca de muita gente frequentadora de templos e outros espaços sagrados. Que será, porém, que dizemos quando afirmamos crer em O Impossível?

Para mim, não tem nada (ou quase nada?) a ver com o que costumeiramente ouvimos ou lemos. Não se trata de curar a dor de barriga, resolver o joanete, dar um jeito no casamento, aliviar a depressão, ganhar um dinheirão, progredir na vida, etc. Tais coisas pertencem ao mundo do possível. São coisas que dependem de nós, da cidadania, da alimentação, da previdência, da sorte. Não têm nada a ver com O Impossível.

Não tem nada (ou quase nada?) a ver com o aumento da arrecadação (de dízimos ou de impostos), nem com o crescimento da Igreja, muito menos com o decréscimo do paganismo, ou com a derrocada das religiões rivais, ou toda uma gama de coisas que encanta pastores, padres e fiéis, sejam quais forem os nomes que assumem tais agentes do sagrado nas religiões que disputam ferrenhamente o coração dos crentes – me desculpem: o bolso dos clientes!

O Impossível tem a ver exatamente com o impossível. O Impossível é aquela divindade que torna possível o impossível, que torna possível a virgem dar à luz, que torna possível o morto ressuscitar e não morrer mais, que torna possível o Império desmoronar, que torna possível às prostitutas e pecadores precederem os fariseus e santos no Reino dos Céus. O Impossível é a divindade que torna possível sairmos da esfera do Possível idolátrico, que nos ajuda a enxergar a banalidade (extremamente importante, mas banal) do Possível, nos ajuda a enxergar o que devemos fazer por nossa própria conta e risco, junto com as outras pessoas que cuidam do Possível.

E mais! O Impossível é aquele que nos carrega em suas asas para o espaço celestial do Impossível, da Impossibilidade possível, da Vida que transcende o tempo presente e o futuro viável, que cancela o passado e todas as suas forças repressoras, depressivas, neurotizantes, psicopatológicas.

O Impossível é a divindade que nos torna semelhantes a si mesma. Não iguais, mas semelhantes. Nós continuamos sendo gente do possível, mas libertada do Possível, para viver o Impossível, com O Impossível. O Impossível realiza em quem conviver com ele, o Impossível: amar impossivelmente a Deus acima de todas as coisas possíveis – amando todas as pessoas impossíveis de ser amadas pela gente do Possível.

Será possível?

Acabou a moleza!

Pois é companheiras e companheiros! Férias sempre duram menos do que a gente gostaria e, para variar, as minhas acabaram ... O companheiro Lula já entrou em gozo permanente de férias e a companheira Dilma vai carregar o piano ...

Voltei a trabalhar em 17 de janeiro, para cuidar do Processo Seletivo do Mestrado da Unida, com as aulas iniciando no dia 24. Formamos a turma e ficou muita gente na lista de espera!

Tentarei manter minha atividade aqui no blog com a regularidade de pelo menos um post semanal, veremos ...

Abs!!!!